O Juramento de Hipócrates é uma tradição milenar que marca a entrega das cédulas profissionais aos novos médicos que juram respeitar a dignidade do doente e a vida humana. este ano já decorreram as cerimónias da Covilhã, no dia 20 de novembro, Porto a 21, Braga no dia 23, Lisboa a 24 e, por fim, Coimbra que será no próximo domingo, 28 de novembro às 15. O bastonário esteve presente em todas elas, dirigindo palavras de apoio e incentivo aos 372 médicos que juraram no Porto, 206 em Braga e 383 em Lisboa. Em todos estes encontros, o bastonário referiu os obstáculos suplantados pelos jovens médicos até chegar ao momento deste juramento solene com o qual assinalam, de forma sempre muito emotiva, a entrada na profissão, sem esquecer o esforço das famílias ou os desafios trazidos pela COVID-19 ou as muitas barreiras a ultrapassar também nos dias que estão por vir. Mas, acima de tudo, a mensagem deixada foi de união: porque este é um caminho em que “crescemos juntos” e em que todos, internos e especialistas, têm algo a ensinar…
Face à evolução da pandemia COVID-19 na região Centro – e em particular na Covilhã, Coimbra e Leiria – a Secção Regional do Centro da Ordem dos Médicos decidiu converter as duas cerimónias de Juramento de Hipócrates para o formato digital. Nas outras secções, para salvaguarda da saúde pública, à entrada da cerimónia os participantes e convidados exibiam o certificado digital de vacinação e em todas o uso de máscara não foi negligenciado. Estas são decisões e logísticas que não são tomadas de ânimo leve pois há uma forte consciência de quão importante é este marco na vida profissional de cada médico.
Andreia Nogueira, médica da SRCOM, desejou a todos os participantes “um dia verdadeiramente especial”, com “forte sentimento de realização pessoal” e alertou os colegas que é “preciso muita coragem para abraçar e honrar a missão de ser médico”. Regina Gouveia, vereadora da Câmara Municipal da Covilhã, em representação do presidente da Câmara, agradeceu o facto do município poder ser anfitrião deste encontro e desejou a todos “as maiores venturas”, deixando a certeza de que a Covilhã estará disponível para acolher estes jovens médicos e os seus futuros projetos profissionais. Já Carlos Cortes, presidente da SRCOM, começou por frisar a escolha da Covilhã como simbólica de uma mensagem de “coesão territorial de acesos à saúde para todos, tanto os que estão no litoral como os que estão no interior” e por agradecer a “postura exemplar” de Gouveia e Melo e “a forma séria e de grande lealdade com que lidou com a OM e com os médicos”. Pedindo aos colegas que “não desvalorizem este momento”, pois é nas palavras do juramento que encontrarão forças perante serviços que estão no limite e “que já não conseguem dar resposta adequada aos doentes”. Carlos Cortes quis assim preparar os colegas para o que vão encontrar e lamentou o desrespeito pela formação médica e o facto de a tutela não se preocupar em “criar condições nos serviços para que estes com qualidade adequada pudessem formar mais médicos”, o que faz com que centenas fiquem de fora da especialidade, todos os anos. “Nunca se esqueçam do mais importante: a vossa relação com os vossos doentes” e “nunca deixem nada nem ninguém e ainda menos um burocrata ou um gestor insensível se interpor entre vós e os vossos doentes”.
Seguiu-se a lição de Gouveia e Melo que explicou a sua relação pessoal com a medicina: “o meu bisavô ficou conhecido por ser um médico com uma atitude muito aberta e dedicada às pessoas mais simples, sempre foi um exemplo para toda a família; Tenho também um primo direito e o meu filho, que são médicos”. É precisamente do filho que nos falou, depois de dizer como os médicos foram extraordinários no combate à pandemia e enaltecendo a forma franca como sempre foi possível falar com Miguel Guimarães: “Eu não pude confinar e o meu filho também teve que continuar a tratar doentes, numa fase em que não havia vacinas e as proteções não eram suficientes e muitos profissionais acabaram por ficar doentes. (…) Mas cumpriram o seu juramento e continuaram a dar a mão” a quem precisava. “O meu filho diz que eu sou um exemplo para ele e ele, muito novo, já é um exemplo para mim e isso vem da cultura que vocês médicos e Ordem dos Médicos lhe passaram. (…) A vossa profissão é eventualmente uma das mais importantes da sociedade pois sem médicos a sociedade fica literalmente doente e sem a sensação de segurança”, enquadrou, agradecendo. Gouveia e Melo disse aos jovens médicos que, como ele teve que fazer, também eles terão que ter “coragem para decidir na incerteza” e para enfrentar “quem pretenda benefícios que não sejam o melhor para o grupo” e que precisam ser disciplinados. Recomendou ainda mais uma qualidade humana: “a humildade de aprenderem uns com os outros e de estarem atentos ao que de melhor se faz no mundo e de ouvir quem esteja sentado à vossa frente”, conjunto de “corpo e espírito humano” que merece ser ouvido.
Na intervenção de Miguel Guimarães que começou assinalando a tristeza associada a este dia [20 de novembro de 2021], pela perda de Carlos Ribeiro, ex-bastonário da OM, homem e profissional de grande qualidade e humanismo, pedindo um minuto de silêncio em sua memória e honra. Em seguida fez questão de frisar como, mesmo à distância, considera estar ao lado dos mais novos: “estamos juntos. Juntos a cumprir as normas da DGS para dar um exemplo à sociedade civil. Juntos na defesa dos princípios e valores em que acreditamos. Juntos na missão de cuidar, tratar e proteger os nossos doentes”. Com os desafios dos 2 últimos anos, Miguel Guimarães não quis deixar de enaltecer a dedicação de todos os colegas, frisando o muito que se cresceu “juntos”, porque é assim que somos melhores profissionais e melhores pessoas, defendeu. “O ser humano é iminentemente social”, recordou as palavras de Aristóteles, e acrescentou “e na medicina isso também é verdade”. Mas estes dois anos de pandemia lançaram o desfaio de nos afastar do toque. Mas há outros desafios ainda piores… “Salvar vidas é missão das nossas vidas, foi esse o caminho que escolhemos e optar entre doentes é desumano”, partilhou.
Às famílias dedicou também parte do seu discurso, em todas as cerimónias, aliás, reconhecendo os sacrifícios: “aproveito esta oportunidade para vos felicitar, assim como às vossas respetivas famílias, que certamente viveram estes tempos do final da vossa formação pré-graduada com um misto de grande orgulho e apreensão pela missão que escolheram: arriscar a vida a dar vida. A dedicação, o carinho, o sacrifício e o investimento das vossas famílias, permitem que este dia seja um dia muito especial, um dia em que concretizam o objetivo de ser médico. A minha reverência a todas as mães, pais e familiares que tornam este momento único numa celebração de amor a uma causa maior. Bem-vindos e muito obrigado por terem dado ao país o privilégio de contar com estes jovens médicos para fazer de Portugal um local mais saudável, com mais tempo e sobretudo mais qualidade de vida”.
Aos recém-chegados à profissão, Miguel Guimarães dedicou palavras especiais de reconhecimento pelo valioso contributo no combate à pandemia: “deixo-vos a minha gratidão pelo exemplo de dedicação, qualidade, conhecimento, solidariedade, humanismo, afeto, esperança, inovação, respeito, resiliência, coragem”, uma gratidão que expressou em nome da medicina e dos doentes. “Este este dia é um dia muito especial, um dia em que se renova a inspiração de ser médico, em que a relação médico-doente é reforçada, em que temos a honra e o privilégio de receber os novos médicos, e a certeza de sabermos que todos e cada um de vós está à altura do admirável percurso que têm pela frente”.
No Porto e em Braga realizaram o juramento um total de 578 novos médicos a quem o bastonário quis, tal como havia feito na cerimónia da Covilhã, transmitir o seu agradecimento pessoal e o orgulho em ser representante de todos os médicos. “Deixo a minha gratidão a todos os jovens médicos pelo exemplo, dedicação, qualidade, conhecimento, solidariedade, humanismo, afeto, esperança, inovação, respeito, resiliência, coragem. E por acreditarem nesta profissão. Gratidão pela medicina, pelos doentes, pela dimensão ética, pelo ser médico”, disse Miguel Guimarães.
Também nestas cidades do norte, o bastonário lembrou que “salvar vidas é a nossa missão” e recordando que a pedra de toque de uma medicina de qualidade é uma boa relação com os doentes, assente nos princípios do Juramento de Hipócrates, pediu a todos que se detivessem no significado por trás de cada afirmação deste juramento solene pois ao longo das carreiras destes colegas “as palavras que dirão hoje devem ser o vosso farol, numa vida dedicada ao outro, ao doente, ao mais frágil, ao que não tem voz. É o texto que devem revisitar orgulhosamente nos dias de sucesso e a que devem ir buscar forças nos momentos mais difíceis. Não é um caminho para percorrermos sozinhos. Estamos juntos. Contem sempre comigo. Este é um caminho que se faz lado a lado”. Na sua intervenção, o bastonário não ignorou as dificuldades e lamentou que a carreira médica não seja devidamente apoiada pela tutela, especialmente em contexto de pandemia. “Este momento crítico que continuamos a atravessar necessita, com urgência, de alguém capaz de liderar a saúde a nível nacional, apoiar, respeitar e valorizar os médicos e os outros profissionais. Uma missão humanitária que não tem sido honrada pela ministra da Saúde, que nem sequer teve a dignidade de se reunir com a Ordem dos Médicos, com as pessoas que representam os profissionais. Falta ética, falta respeito, falta transparência e falta o bom senso”, realçou.
Já o presidente da Secção Regional do Norte, António Araújo, destacou que “ser bom médico é ter capacidades múltiplas, conhecimento da especialidade, e vontade de aprender na prática”. Mas “é preciso, também, ter noções de investigação diária. Só isso permite avançar no conhecimento médico”, referiu, lembrando a importância da ciência. Mas há outras áreas complementares em que os médicos têm que fazer formação, recordou, referindo especificamente como aos médicos é exigido que tenham conhecimentos de gestão para poderem dirigir serviços, departamentos e proceder a contratualizações. Competências que, alertou, não terão qualquer valor se os profissionais ignorarem aquilo que é fundamental: “nada disto é importante sem a faceta humana que permite estabelecer a empatia com o doente. É nisto que se baseia o Juramento de Hipócrates.”
No Porto, Dalila Veiga, presidente do Conselho Sub-Regional, lembrou os jovens médicos de que o Juramento “representa não o fim de uma etapa, mas sim a continuidade de um caminho (…) um percurso contínuo e sempre inacabado de aprendizagem técnica, científica, mas acima de tudo humana”. A também presidente do Conselho Nacional da Pós-Graduação alertou, depois, que “a Formação Médica em Portugal enfrenta nos últimos tempos alguns desafios e muitas dificuldades”, admitindo que a atual geração “já sentiu os efeitos nefastos e as enormes dificuldades de tentarem conciliar ou encontrar o equilíbrio imperfeito entre a máxima aprendizagem clínica com o número excessivo de alunos”. “A formação em Medicina é extremamente exigente e dispendiosa e, como tal, não faz sentido uma política de proletarização que não vise equilibrar os recursos em função das reais necessidades”, rematou.
Em Braga, o presidente do respetivo Conselho Sub-Regional da Ordem dos Médicos, André Luís, falou essencialmente “com o coração”, admitindo que preferiu deixar-se levar pelo que sentia ao invés de ler um discurso previamente preparado. O dirigente desafiou os colegas que agora chegam à profissão a fazer do Juramento de Hipócrates uma leitura assídua e revisitada com frequência, deixando votos de que sejam muito felizes no exercício da sua profissão como médicos. Esta cerimónia contou com a atuação da Tuna de Medicina da UMinho.
Por Lisboa, 383 médicos fizeram o seu Juramento perante médicos que foram seus mestres, mas também perante as famílias. Convidada a proferir a oração, Ana Paula Martins, bastonária da Ordem dos Farmacêuticos, num discurso de grande emotividade falou do “espaço de carinho eterno que a humanidade dedica” aos médicos, porque, “para vós a vida é um valor sem variação”, isto é, a defesa da vida está primeiro que tudo. Sobre a importância do Juramento de Hipócrates lembrou que, após 2500 anos da sua criação, estas promessas solenes são ainda citadas pelo Tribunal dos Direitos Humanos. Num “país muito desigual” que “precisa vencer a batalha da literacia”, Ana Paula Martins lembrou que “informação é diferente de sabedoria” e que os médicos têm um papel fundamental a refutar a falsa evidência e enquadrou com o grande esforço que todos tiveram que fazer, o muito que estudaram até chegar aqui, abdicando de sair com amigos, tudo “pelo sonho de ser médico”. “Quantos fins de semana, quantas férias e noites fechados a ver o sol pela janela?” – “esse é o somatório da dívida que temos para convosco” e quando acabam o curso, “descobrem que esse caminho nunca acaba”. “Valorizemos o vosso esforço, estando ao vosso lado, como estão ao nosso, na vida e na morte”. “Longa vida aos médicos do meu país”, concluiu.
Carlos Mendonça, presidente do Conselho Nacional do Médico Interno, deixou mensagens simples mas centrais no que é ser médico, profissão que além de vocação “exige muito mais de nós”. Falou dos doentes, “é por eles que existimos” e a quem é preciso “saber escutar”, da sublinhou a importância de aprender com todos, especialistas, internos e outros profissionais, mas referiu também a importância dos médicos cuidarem de si porque a prática médica é muito absorvente e é essencial para a saúde destes profissionais que tenham “uma vida além da medicina”. Por fim pediu: “reflitam nas palavras que aqui vão ler hoje”, absorvam as mensagens e leiam e releiam o juramento.
Seguiu-se a intervenção de Alexandre Valentim Lourenço que realçou o empenho do bastonário em estar ao lado dos colegas que fizeram o juramento nas três secções, sem faltar a nenhuma cerimónia e lembrou Carlos Ribeiro. Seguiram-se palavras dirigidas aos mais jovens a quem frisou o “caráter humanista dos nossos princípios” e o dever de transmitir o conhecimento adquirido, ensinando os outros, no que definiu como um tripé essencial: a procura do conhecimento, a sua transmissão e a aplicação desse conhecimento ao serviço dos doentes. “Vocês serão os meus médicos”, referiu, explicando a importância de projetar uma medicina do futuro, razão pela qual em fevereiro de 2022 se irá realizar um congresso precisamente para pensar cenários para 2040, anunciou Alexandre Lourenço, convidando desde já todos os colegas a participar, deixando-lhes a garantia de que podem sempre contar com a OM para os guiar nas suas escolhas. E, “um dia, serão vocês a ensinar os vossos discípulos”, concluiu.
Esta cerimónia aconteceu no dia em que a OM fez 83 anos, momento que foi destacado pelo bastonário da OM que fez questão de elogiar os (ex)bastonários presentes, Gentil Martins e Germano de Sousa, além de lembrar Carlos Ribeiro, mestres que ensinaram muitos colegas e dedicaram parte do seu tempo à OM. Recordando as dificuldades sentidas perante o medo dos doentes em recorrer aos serviços de saúde no ano passado, Miguel Guimarães fez questão de também neste encontro lembrar que é preciso recuperar os doentes que ficaram para trás. E, lembrou, “a medicina é, iminentemente, social. Nunca se afastem dessa riqueza que nos leva mais longe, a sermos melhores pessoas e melhores médicos”. Precisamos de estar próximos, de escutar, olhar e tocar os nossos doentes.
Perante a atualidade política, o bastonário não pôde ignorar as palavras “inqualificáveis” da ministra da Saúde (ver aqui), e frisou que “a senhora ministra precisa ler ‘O principezinho’ para aprender a cativar os médicos. Vamos dar uma resposta dura pois, assim a ministra só afasta os médicos do SNS”.
Sem querer acabar numa nota política, Miguel Guimarães revisitou o pensamento de António Barreto, expresso na cerimónia de apresentação do livro sobre a relação médico/doente que a OM elaborou com o objetivo de levar à UNESCO para candidatura dessa relação a património imaterial da humanidade: “A relação médico-doente tem uma tradição única e universal, que atravessa a mudança e renovação do tempo, mantendo-se permanente. Tem o mais antigo juramento deontológico, a mais antiga profissão de fé. (…) Um médico trata o rico ou o pobre, o capitalista ou o trabalhador, o ditador ou o cidadão, a celebridade ou o anónimo. Trata-os da mesma maneira. A nenhum, pergunta pelas suas ideias. Há qualquer coisa na sua profissão que faz dele um homem ou mulher diferente. Não é por acaso que existe um “juramento de Hipócrates” há mais de 2 500 anos! Existe de facto um “ethos” médico que não existe em mais nenhuma profissão ou condição. (…) Eu sei que, embora com cada vez mais reservas, ainda confiamos a nossa fortuna ao banqueiro. Nas mãos do advogado, depositamos os nossos direitos, mas mudamos facilmente de advogado. Ao professor entregamos os nossos filhos, mas sempre a olhar para o lado. Ao padre, a nossa alma, mas sabemos que ele é apenas um intermediário. Aos políticos, damos o nosso voto, mas com exigências e protesto. Ao médico, entregamos a nossa vida. Tudo. E mesmo que pensemos mal dos médicos, a verdade é que pensamos isso de todos, menos do nosso.”
“Sejam muito felizes e façam da Ordem a casa de todos os médicos. Aliás, há uma frase destes tempos conturbados que me ficará para sempre e que define a forma como gostaria que a Ordem dos Médicos fosse para cada um de vós. Em determinada altura do processo de vacinação, muitos médicos sem vínculo ao SNS estavam a ficar para trás. O Vice-Almirante Henrique Gouveia e Melo confiou à Ordem dos Médicos a nobre missão de ser a única instituição a organizar a vacinação dos seus pares. Foi um dossier desafiante e de grande responsabilidade, no final do qual uma colega me disse: ‘senti-me abraçada pela Ordem’. Que esta imagem de abraço, pelo afeto e união que simboliza, nos acompanhe sempre”, concluiu Miguel Guimarães.
Tal como vem sendo hábito, no JH da SRS, há um tempo dedicado a enaltecer os melhores alunos das faculdades de medicina, com o Prémio Manuel Machado Macedo e este ano não foi exceção.