A falta de médicos de família nos cuidados de saúde primários em Portugal não é novidade. Desde há muito tempo que o bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, tem vindo a alertar para este problema, contudo, a situação tem sido agravada com o maior número de infetados com Covid-19 desde o início da pandemia.
Os médicos especialistas em Medicina Geral e Familiar (MGF) continuam a estar encarregues dos doentes que testam positivo ao Sars-CoV-2 (e que não necessitam de internamento), bem como pelos seus habituais doentes não Covid, que neste momento não estão a ter resposta total às suas necessidades. “Com a população cujos médicos já estavam desviados para a Covid ou que estavam de baixa, mais o milhão de pessoas que já não tinha médico atribuído, no total isto significa que há quase quatro milhões de portugueses por dia que não têm acesso a médico de família”, afirmou Jorge Roque da Cunha, secretário-geral do Sindicato Independente dos Médicos em declarações ao Jornal Expresso.
A falta de acesso dos doentes não Covid aos médicos de família é uma das principais preocupações atuais do bastonário, expressa publicamente de forma reiterada, sem que a tutela nada altere. Miguel Guimarães considera que “já se deveria ter tomado medidas para proteger estes cidadãos no acesso aos cuidados de saúde e na assistência contínua”, por ser quase “uma obrigação moral e ética que temos perante os cidadãos portugueses.”
Nuno Jacinto, presidente da Associação Portuguesa de MGF, adiciona ainda a agravante de que “não estamos a ver os diabéticos ou os insuficientes cardíacos a quem ajustámos a terapêutica e que precisam de ser avaliados, nem a fazer as primeiras consultas de grávidas ou de recém-nascidos.”
Em entrevista ao Diário de Notícias, Miguel Guimarães já tinha relembrado que “(…) os doentes com Covid que estão a ser seguidos em ambulatório já são mais de 200 mil. É a estes que os médicos de família têm de ligar todos os dias para registar o seu estado na plataforma Trace Covid, mas à medida que o número de doentes aumenta, não só não conseguem ligar a todos como não conseguem ver os seus doentes habituais, que já estão a ficar para trás. E a maior parte dos doentes com Covid não precisam de ter um seguimento especial.”
Neste contexto, também Nuno Jacinto defendeu que o acompanhamento feito a doentes assintomáticos ou com sintomas de gripe ligeira está a ser demasiado exacerbado. “Estamos (…) a telefonar a pessoas com uma gripe normal ou nem isso, apenas com nariz entupido e tosse ligeira, ou a confirmar autotestes nas Áreas Dedicadas para Doentes Respiratórios”, afirmou, em declarações ao jornal Expresso.
Recorde-se que, aquando da discussão sobre o Orçamento do Estado, em outubro de 2021, já Miguel Guimarães defendia que o mesmo não cobriria as necessidades do SNS. Mais do que o dinheiro aplicado, o bastonário afirmava que interessava saber se dali a uns meses “todos os portugueses” teriam “médico de família”. Infelizmente, os meses passaram e os resultados não são animadores.