Autora: Andreia Amaral Pinto, Médica Interna do 4º ano de Formação Específica em MGF (USF S. Miguel, ACeS Grande Porto VIII – Espinho/Gaia)
Resumo: Apercebo-me que são várias as consultas em que não dispomos de tempo suficiente para corresponder às necessidades dos utentes, principalmente dos nossos idosos, que procuram na consulta “aquela companhia” e o “aconchego”. A solidão e isolamento nesta faixa etária são um problema frequente e julgo ser fundamental uma reflexão sobre este assunto de forma a ajustar os cuidados prestados no nosso dia-a-dia.
Em Portugal tem-se verificado um aumento progressivo da esperança de vida à nascença, tendo sido estimada em 80,78 anos para o total da população entre 2015-2017,1 um aspeto positivo, mas que tem como consequência uma população cada vez mais envelhecida. Posto isto, torna-se primordial redirecionar as nossas preocupações e ajustar os cuidados prestados às necessidades específicas deste grupo etário para que se possa promover aquele que é o verdadeiro conceito de Saúde.
Durante o meu percurso de internato, procurei compreender e conhecer os utentes como um todo, sendo que a solidão nos nossos idosos é algo que me tem feito refletir. Apercebo-me que alguns deles vivem sozinhos, o(a) companheiro(a) de uma vida já não está presente, sem filhos ou com filhos ausentes, por vezes com habitações isoladas, os familiares que lhes restam estão longe e, frequentemente, “nós” (médicos) somos a “única” família, o “aconchego”. No meu dia-a-dia, reparo que para alguns somos mais do que “medicina”, somos aquela “companhia” que não têm em casa, aquela pessoa que se preocupa com eles, que os aconselha, que os ouve e que também está lá naquele momento que os aterroriza que é a doença. O dia da consulta é um momento de convívio, de socialização e de conforto. Por outro lado, nela somos confrontados com a necessidade de gestão adequada a esta faixa etária.
No nosso país cerca de 60% da população idosa vive só ou em companhia de outros idosos.2 Embora os números sejam importantes, valem o que valem. Será que é possível alcançar a verdadeira dimensão do problema? Não me parece. Contudo é um bom ponto de partida. Talvez seja uma forma de nos consciencializarmos de uma ínfima parte do problema, no entanto sem ter a verdadeira noção da sua magnitude.
As limitações físicas, o declínio das funções cognitivas e mentais, as múltiplas patologias, a polimedicação, bem como a ausência de apoio social, são alguns dos vários fatores que contribuem para o problema. Promover atividades de lazer, melhorar as formas de comunicação (telefone, computador), facilitar os meios de deslocação, criar grupos de voluntariado que possam prestar apoio, são algumas das ideias que começam já a ser postas em prática. Contudo, há que investir mais em equipas domiciliárias, nas unidades de cuidados continuados e noutros recursos ao nível da comunidade. A existência de uma consulta vocacionada para a Saúde do Idoso é cada vez mais uma necessidade que se impõe ao nível dos Cuidados de Saúde Primários, à semelhança do que já se verifica para outros grupos vulneráveis. Do mesmo modo, não esquecer a importância que os cuidadores informais podem desempenhar no apoio aos nossos idosos, merecendo o seu devido reconhecimento e incentivo.
O tema é uma discussão longa, que escolhi refletir não por ser algo novo ou diferente, mas sim por ser algo que realmente me preocupa e com que me deparo frequentemente na minha prática clínica. Na verdade, todos sabemos que existe, mas não conseguimos solucionar, pois não depende só de nós (médicos). Vamos, pelo menos, colmatando o vazio que existe na vida destas pessoas, com aquilo que melhor sabemos fazer, mais do que tratar, sabemos cuidar.
Acredito que é realmente importante investir em estratégias que permitam combater o isolamento e a solidão dos nossos idosos, de modo a promover um envelhecimento ativo e saudável, que um dia nos orgulharemos também de poder usufruir.
Referências Bibliográficas
1 Instituto Nacional de Estatística (2018). Tábuas de mortalidade para Portugal 2015-2017. Destaque – informação à comunicação social. Acedido a 6 de janeiro de 2019 em https://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_destaques&DESTAQUESdest_boui=316113801&DESTAQUESmodo=2.
2 Instituto Nacional de Estatística (2013). Onde e como se vive em Portugal – 2011. Destaque – informação à comunicação social. Acedido a 6 de janeiro de 2019 em https://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_destaques&DESTAQUESdest_boui=157042720&DESTAQUESmodo=2&xlang=pt.