Autora: Joana Aguiar de Oliveira, Interna de Formação Específica de MGF na USF Coimbra Centro
Resumo: Neste artigo pretende-se transmitir a necessidade de prestação de cuidados diferenciados a uma população com características e necessidades especificas, exercendo uma medicina centrada no paciente, dando primazia ao princípio da equidade em detrimento do princípio da igualdade. Releva-se a importância da intervenção da Medicina Geral e Familiar na sociedade, com o seu papel crucial na prevenção.
A Prostituição será um problema de saúde? Uma realidade oculta? Uma prática à margem da sociedade? São questões que se levantam, mas muito pouco abordadas nos dias de hoje.
Atualmente a lei Portuguesa não considera a prostituição uma atividade ilegal. No entanto, estabelece como crime o lenocínio (“artigo 169º do Código Penal Português – “quem, profissionalmente ou com fins lucrativos, promover, encorajar ou facilitar a prostituição de outra pessoa, será punido com pena de prisão…”. Além do mais, a prostituição continua também muito associada ao tráfico humano com vista à exploração sexual, o que é também punível por lei.
Apesar de nos encontrarmos no século XXI, na era da tecnologia, da grande acessibilidade à informação pela comunicação social e/ou redes sociais e da liberdade de expressão, a prostituição continua a ser um tabu. É um tema que ainda divide opiniões e que gera grande controvérsia, continuando a ser realçadas as suas características negativas e estereotipadas, com a consequente marginalização. Assim, e não sendo uma atividade devidamente regulamentada, continua a ser um tema que a sociedade opta por não encarar, com todas as vertentes e condicionantes que daí advêm.
Sabendo nós o estigma que envolve a prostituição e sendo esta, de facto, uma atividade de risco para determinadas patologias, como, por exemplo, as infeções sexualmente transmissíveis, é fulcral a promoção da saúde e prevenção da doença nesta população, com a divulgação de práticas seguras e de instrumentos de proteção. A prostituição está também muito associada à Imigração, tantas vezes ilegal que, por si só, limita o acesso a cuidados de saúde de qualidade e adequados a uma população com características e necessidades muito específicas.
Durante o meu internato em Medicina Geral e Familiar, e atendendo ao facto da instituição onde trabalho se localizar numa área onde esta atividade é comum, contacto frequentemente com ‘trabalhadores do sexo’, o que, desde cedo, despertou a minha atenção e preocupação, na tentativa de otimizar a gestão dos cuidados de saúde prestados a esta população. Neste sentido, tive conhecimento da existência de equipas de intervenção social, como é exemplo a ERGUE-TE, da qual faço atualmente parte, enquanto voluntária. Estas equipas são essenciais para a promoção e divulgação de práticas seguras no ‘terreno’, para o esclarecimento de dúvidas e prestação de serviços nas mais diversas áreas: judicial, social e de cuidados de saúde. Diariamente, membros da equipa ERGUE-TE, juntamente com voluntários, saem à rua de encontro a estes trabalhadores, promovendo a divulgação e distribuição de material de proteção, tais como, preservativos: masculinos e femininos, lubrificantes, desinfetantes de mãos, folhetos informativos e de educação para a saúde, entre outros. Aproveitamos este encontro para dar a conhecer a equipa e os seus serviços, para o esclarecimento de dúvidas que, para mim enquanto médica, são essencialmente relacionados com as formas de transmissão, sinais de alarme e medidas preventivas direcionadas para as várias doenças, assim como para oferecer apoio caso necessário e de acordo com a problemática de cada um. É também enquanto médica que aproveito este contacto mais próximo para divulgar a importância do rastreio do cancro do colo do útero e da importância da vacinação contra o HPV (para mulheres e homens).
Neste contexto surge um protocolo entre a equipa ERGUE-TE e a unidade de saúde onde trabalho, que prevê consultas de periodicidade mensal a estes utentes, sendo a grande maioria consultas de saúde da mulher, possibilitando a realização de citologia cérvico-vaginal, o acesso a métodos contracetivos de longa duração, como é o caso da contraceção intrauterina e subcutânea (reforçando sempre a importância do uso de método de barreira concomitantemente), e também a realização de serologias regularmente, individualizando e direcionando a consulta sempre de acordo com os seus antecedentes.
A Medicina Geral e Familiar exerce assim, sem dúvida, um papel fundamental, pela sua vertente holística, que permite atuar não só no individuo, mas também na comunidade, e de adequar os recursos a cada utente e às suas necessidades especificas, de acordo com o princípio da equidade. Enquanto médica, considero fulcral intervir na sociedade na qual me insiro, procurando diminuir a exposição ao risco e debruçando os meus esforços no apazigo do dano, físico e moral, criando de alguma forma um impacto positivo.
Prostituição um problema de saúde? Diria que sim, enquanto não for encarada como tal, enquanto continuar a ser uma realidade ignorada, desprezando medidas preventivas e de intervenção diretas, com consequências para a saúde pública. Sim enquanto consequência da marginalização. Sim pelo seu impacto físico, psíquico e social.
Referências Bibliográficas:
- Oliveira,A. (2017). Prostituição em Portugal. Bagoas.pp 201-224
- http://erguete.pt/. Acedido a 15 de Outubro de 2019