A Proposta de Lei apresentada pelo Governo para alterar o regime jurídico da realização de perícias médico- legais e forenses coloca em risco a independência e a qualidade da Medicina Legal. Por isso, a Ordem dos Médicos não pode subscrever o documento que está neste momento em consulta pública, tendo já feito chegar um parecer ao Parlamento para impedir o desmantelamento do Instituto Nacional de Medicinal Legal e Ciências Forenses (INMLCF).
Apesar da proposta manter na competência do INMLCF a realização de perícias médico-legais e forenses, com a garantia de que são feitas por médicos, a verdade é que a proposta reforça a possibilidade de entregar as perícias a entidades externas. “Esta situação é negativa para a qualidade e isenção dos serviços prestados e por isso a Ordem tem de condenar esta proposta, uma vez que esvazia o INMLCF, que como temos vindo a alertar está a trabalhar no limite e com 70% do quadro de especialistas em Medicina Legal por preencher”, defende o bastonário da Ordem dos Médicos.
Miguel Guimarães diz também que “a proposta prevê a abertura ao privado, mas não acautela as questões relacionadas com as qualificações e imparcialidade das entidades externas que serão contratadas”. “Têm que ser asseguradas com o mesmo grau de exigência que é colocado ao INMLCF, sob pena de termos dois tipos e duas qualidades de perícias; dito de outra forma, é inaceitável confiar peritagens a médicos do setor privado sem a garantia da inexistência de conflitos de interesses, nomeadamente no que às seguradoras e escritórios de advogados diz respeito”, reforça o bastonário.
Para a Ordem dos Médicos, é fundamental responder aos verdadeiros problemas que o INMLCF atravessa, o que passa por melhorar as condições físicas de trabalho e o número insuficiente de médicos especialistas em Medicina Legal. “É necessário resolver questões de fundo, como a celeridade na sua contratação e a progressão na carreira”, exemplifica Miguel Guimarães. Só com o redimensionamento das instalações e dos seus recursos humanos é que o Instituto poderá aumentar a sua capacidade de resposta, com a consequente diminuição da necessidade de contratação externa de serviços.
Apesar de todas as dificuldades vindas a público no último mês, “importa salientar o enorme esforço que os médicos têm feito para assegurar os serviços. Nenhuma autópsia verdadeiramente urgente deixou de ser realizada, sendo exemplo disso casos complexos como a queda de árvore na Madeira em 2017, as autópsias às vítimas dos incêndios em junho e outubro de 2017 e o acidente com autocarro turístico na Madeira em 2018”, insiste o bastonário.
Existem outros aspetos sensíveis a considerar na proposta do Governo, quer relacionados com o trabalho extraordinário e os descansos compensatórios, quer com o acesso à informação clínica por parte dos médicos do INMLCF, por questões relacionadas com a proteção de dados pessoais, entre outras.
O quadro do INMLCF tem lugar para 215 médicos especialistas em Medicina Legal (apenas 63 ocupadas). A atividade médico-legal é essencial para o funcionamento do sistema judicial. Os médicos especialistas em Medicina Legal realizam inúmeras perícias médico-legais, procurando dar resposta a todas as questões médicas de que a justiça carece para a resolução de processos judiciais. Em causa estão situações diversas, seja no âmbito criminal, como nos casos de agressão física e psicológica, casos de suspeita de abuso sexual, de maus tratos a menores, adolescentes ou idosos e/ou de violência doméstica, incluindo casos de suspeita de negligência, tortura ou tráfico de seres humanos, seja no âmbito da realização de perícias visando o estabelecimento de valores de incapacidade em vítimas de acidentes de viação, acidentes de trabalho ou outros sinistros, bem como em cidadãos portadores de doenças.
Download: 2019.06.27_NI – Proposta do Governo coloca em risco a independência e qualidade da Medicina Legal