O Presidente da República, depois de ouvido o Bastonário da Ordem dos Médicos, Carlos Cortes, decidiu devolver, sem promulgação, à Assembleia da República, o Decreto que altera o Estatuto da Ordem dos Médicos. Numa mensagem enviada à Assembleia da República, o Presidente da República sublinhou, designadamente, que, ao afastar a Ordem dos Médicos de uma intervenção essencial no que respeita ao reconhecimento de idoneidade e respetiva capacidade formativa dos serviços, bem como à definição dos conteúdos formativos para cada especialidade, aspetos de natureza puramente técnica médica, se compromete a qualidade da formação destes profissionais no futuro e, consequentemente, a qualidade dos cuidados médicos e a segurança dos doentes, bem como a própria organização e estabilidade do SNS. Também se revela pouco adequada a nova formulação do ato médico, na medida em parecem existir sobreposições de competências dos vários profissionais de saúde, com inerente risco para a prestação dos cuidados de saúde aos doentes.
A mensagem enviada ao Presidente da Assembleia da República no dia 12 de dezembro, divulgada no site da Presidência, pode ser lida AQUI (PDF)
O Presidente da República reconheceu que o processo legislativo que conduziu à aprovação do Decreto apresentava dificuldades que haviam sido assinaladas pelos Deputados “nas respetivas declarações de voto” mas também pelo próprio Bastonário Carlos Cortes, que já veio frisar que este foi “um processo muito confuso, muito precipitado, em que no próprio dia da votação (…) os deputados reconheciam que o estatuto merecia correções, merecia melhorias mas que a celeridade que se tinha de dar ao processo não permitia que isso acontecesse”. Para o Bastonário “esta decisão [de veto] dá a oportunidade ao parlamento de corrigir o que o próprio reconheceu que não estava bem”.
O Presidente da República fundamentou a decisão de não promulgação mencionando a posição transmitida pela Ordem dos Médicos, através do seu Bastonário, de que o Estatuto proposto “não assegura a autonomia da Ordem, designadamente no que respeita à competência dos Colégios de Especialidades”. Carlos Cortes havia apelado a Marcelo de Rebelo de Sousa que não promulgasse o Decreto nomeadamente por pôr em causa o princípio da autorregulação.
Solicitado para comentar o veto presidencial, Carlos Cortes realçou uma vez mais a importância de uma clara definição do ato médico para proteção dos doentes. Esta clarificação foi pedida pela Ordem dos Médicos mas não aconteceu. “O Presidente da República também encontrou aqui insuficiências. Daí ter vetado, e muito bem, este diploma”.
A ingerência na autorregulação da profissão médica e uma potencial transferência de competências em matéria de formação para o Ministério da Saúde [que seria “algo absolutamente catastrófico para a formação médica em Portugal”] foram aspetos prejudiciais do Decreto agora vetado que o próprio Bastonário teve oportunidade de mencionar em diversas intervenções, nomeadamente na recente reunião com o Presidente da República.
“A independência da Ordem dos Médicos é absolutamente crucial” para garantia da qualidade da formação e, consequentemente, dos cuidados de saúdes prestados e para “organização e estabilidade do SNS”, como mencionado pelo Presidente da República. Mas, mais do que isso, para garantia de qualidade de todo o sistema de saúde, transversalmente aos vários setores.
Em carta dirigida aos médicos em que saudou a decisão do Presidente, Carlos Cortes, lembrou que este processo está longe de terminado e que o Decreto terá de ser novamente apreciado na Assembleia da República, deixando a garantia: “Nunca desistimos, nem desistiremos, de fazer valer os nossos argumentos na defesa da medicina, da formação médica e do Ato Médico. (…) Conjuntamente com os Presidentes dos Conselhos Regionais, e com todos os dirigentes da Ordem dos Médicos, juntos continuaremos empenhados na defesa da qualidade dos cuidados de saúde e da atividade técnico-científica, da formação médica, da ética e da deontologia. Estaremos sempre contra quem procurar interferir na autonomia e independência da Ordem dos Médicos, e contra todas as tentativas de usurpação das competências dos médicos e de desrespeito pelo Ato Médico”. Uma persistência numa causa justa que a todos diz respeito e da qual “depende o futuro da saúde em Portugal”.