Informação do Colégio da especialidade de Doenças infecciosas
A propósito da notícia referente à possibilidade de os médicos hospitalares poderem ter que vir a justificar a prescrição de antibióticos divulgamos a informação do Colégio da Especialidade de Doenças infecciosas.
A eclosão das resistências aos anti-microbianos, constitui hoje, um dos mais preocupantes e dispendiosos problemas de saúde pública. O uso indiscriminado de antibióticos, quer na patologia humana, quer na patologia animal ou mesmo na área agro-pecuária, são factores que propiciaram o aumento previsível da resistência bacteriana. Este é um problema global e não apenas nacional, com variadas razões e não apenas hospitalares.
Nos hospitais, o aparecimento de novas patologias como a infecção por VIH, a maior frequência de procedimentos invasivos de diagnóstico, o uso crescente de tratamentos imunossupressores ou os internamentos mais prolongados, duma população cada vez mais envelhecida, são algumas das razões que conduziram a um aumento das infecções hospitalares, enquanto a utilização intensiva e por vezes inapropriada de antibióticos, com a permanente selecção sobre a flora bacteriana hospitalar, favoreceu os microrganismos resistentes. Embora com importância crescente na comunidade, que não deve ser descurada, a emergência de estirpes resistentes é um problema eminentemente hospitalar, proporcional ao uso que nele se faça de antibióticos.
Desta crescente prevalência a nível hospitalar, de bactérias com amplo espectro de resistências, que em alguns casos abrange quase todos os antibióticos disponíveis e que se acompanham de altas taxas de morbilidade e de mortalidade, nasceu a necessidade duma política de antibióticos que não é mais do que a sua prescrição racional, assente cada vez mais em bases científicas, embora com especificidades próprias de cada hospital e de cada Serviço, no que diz respeito aos padrões de sensibilidade. Relembramos a vosso pedido, alguns dos princípios gerais que devem ser respeitados:
1) no tratamento da infecção declarada ter presente a resposta de infecções típicas, à terapêutica antibiótica correcta; usar antibiótico dirigido, de acção electiva e espectro estreito; saber quais as bactérias mais prováveis, em situações particulares; colher amostras de fluidos orgânicos, antes de instituir terapêutica; preferir por regra, um antibiótico único, em vez da associação; admitir a falha terapêutica, na ausência de resposta em 5 dias (diagnóstico, antibiótico ou posologia erradas, resistências, colecção purulenta exigindo drenagem cirúrgica).
2) no tratamento empírico, basear a escolha dos antibióticos a usar, na origem provável da infecção, em possíveis dados das amostras, no estado imunológico do doente e nos padrões de resistência no hospital. Há variações de hospital para hospital. É nas infecções hospitalares mais graves que se pode justificar o recurso em primeira linha aos antibióticos mais recentes. As combinações de antibióticos em terapêutica empírica de situações mais graves e urgentes, permitem maior cobertura e podem proporcionar efeitos sinérgicos e atrasar o desenvolvimento de resistências, contudo, podem ocorrer interacções, antagonismo e aumento da toxicidade.
3) na profilaxia, saber que a flora saprófita habitual que o antibiótico vai destruir ou alterar, desempenha um papel protector contra estirpes patogénicas. Se administrarmos indiscriminadamente um antibiótico e sobretudo se for de largo espectro, vamos criar no doente condições à infecção por uma estirpe resistente ao antibiótico que estamos a administrar profilaticamente. O seu uso alargado e indevido, vai promover a emergência de estirpes resistente e comprometer a sua utilidade terapêutica futura. Recomenda-se profilaxia, obviamente, com antibióticos activos contra as bactérias provavelmente envolvidas e de espectro estreito.
4) Reconhecer, que é criticável o recurso sistemático aos antibióticos de introdução mais recente. Devem ser usados como alternativas, apenas, quando os mais conhecidos se mostram inoperantes e em situações muito graves, em que haja uma boa razão para acreditar na sua eficácia. Em terapêutica antibiótica dirigida, guiada por testes de sensibilidade, nem sempre é necessário optar pelo mais moderno. É preciso bom senso, não se devendo contudo ser conservador, ao ponto de impedir um doente, de beneficiar dum fármaco que seja uma mais valia. O preço não deverá impedir a prescrição dum antibiótico essencial, que foi escolhido por critérios farmacológicos e bacteriológicos.
5) Existência de Comissões de Controlo da Infecção com acções de sensibilização e informação a nível hospitalar, com visitas regulares ao laboratório e às enfermarias e vigilância rotativa dos Serviços.
6) Elaboração de protocolos terapêuticos das situações infecciosas mais prevalentes
7) Respostas microbiológicas no mais curto espaço de tempo e informação periódica e regular do laboratório de microbiologia, da evolução das sensibilidades aos antibióticos, dos microrganismos isolados.
8) Programas transversais de educação e de treino
9) Estratégias de prevenção e de controlo (precauções universais, imunizações actualizadas dos profissionais de saúde, isolamento de doentes com microrganismos resistentes, restrições no trabalho quando existem infecções, uso correcto dos dispositivos intravasculares e dos meios invasivos).
Foi nos anos 60 que os hospitais começaram a ter Comissões de controlo da infecção e desde então têm sido publicados vários estudos para a prevenção da infecção nosocomial, quer nacionais, quer internacionais, que são periodicamente revistos. O modo de a combater, há muito que está legislado e a DGS tem igualmente divulgado diversas normas e despachos para aplicação local, regional e nacional. As regras de actuação de médicos e de hospitais estão bem definidas e muitos têm normas de orientação, para utilização correcta dos antibióticos, sendo apenas necessário que elas sejam de facto implementadas de forma rigorosa e que haja a indispensável sensibilização e colaboração das administrações hospitalares. A infecção hospitalar apesar de multidisciplinar, tem morbilidade e mortalidade indesejáveis, sendo um problema clínico que deverá envolver profissionais preparados na epidemiologia, na patogenia e na terapêutica da infecção. O infecciologista deve ser ouvido, nas decisões de escolha apropriada da terapêutica anti-microbiana empírica ou dirigida e deve ser chamado a implementar as medidas de controlo da infecção nosocomial e do uso de antibióticos nas Instituições. A importância do assunto, justifica por si só, a existência de Comissões, trabalhando em exclusividade de tempo e integrando obrigatoriamente um infecciologista.
O combate à resistência bacteriana deverá ter uma estratégia mais ampla, que envolva igualmente uma vigilância de outros sectores, como o público e o uso indiscriminado de antibióticos no ambulatório, muitas vezes dispensados em farmácias que vendem à condição e sem receita médica, ou como a sua utilização excessiva na medicina veterinária ou na indústria alimentar.
O problema da TB MR e ER tem causas diferentes. A TB é uma doença endémica em Portugal, alimentada por problemas sociais e embora possam haver aqui e ali práticas erradas de prescrição por parte dos clínicos, as razões da sua existência, são fundamentalmente extra-hospitalares, por má adesão dos doentes. O assunto deve ser abordado de outra forma e em momento diferente.
Lisboa, 22 de Novembro de 2012
Pelo Colégio da especialidade de Doenças infecciosas
Fernando Maltez