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Pedido de apreciação de Ficha de candidatura a programa televisivo

Parecer do Colégio da Especialidade de Medicina Geral e Familiar, relativo ao pedido de apreciação de ficha de candidatura a programa televisivo, da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APMGF), homologado no PCN de 19 de outubro de 2018.
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Relator: Paulo Santos

Pedido de apreciação de Ficha de candidatura a programa televisivo

A direcção da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar enviou a este Colégio a comunicação de uma associada sobre um pedido feito por uma utente em consulta para a transcrição de um pedido de informação clínica e de exames auxiliares de diagnóstico com o objetivo de poder formalizar uma candidatura a um concurso televisivo para tratamento de patologia dentária (…). O requerimento inclui Rx à boca (ortopantomografia), electrocardiograma, análises clínicas normais (hemograma) com as infecto-contagiosas (VIH e hepatites), historial clínico (passado pelo médico de família com informação médica relevante), lista com a medicação que faz diariamente e a dosagem (incluindo a pílula e medicamentos para as dores de dentes), e ficha vacinal (ou papel passado pelo centro de saúde com registo de vacinas).

A direcção da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar considera a situação descrita inaceitável, quer do ponto de vista ético e deontológico, quer do ponto de vista legal e remete a queixa para a Ordem dos Médicos e para este Colégio.

Na apreciação da situação colocada foram tidos em consideração os seguintes aspectos:

  • A finalidade do ato médico;
  • A acessibilidade do cidadão aos serviços de saúde em Portugal;
  • A autonomia reconhecida na decisão em saúde;
  • A ponderação entre o benefício e o potencial dano que deve presidir à decisão médica nos processos de diagnóstico e de terapêutica;
  • O incentivo a más práticas no bem público que é a Saúde, tanto pelos utilizadores dos serviços como pelos seus servidores;
  • A utilização de uma relação de privilégio, baseada na confiança médico-doente, para alcançar um objetivo que se desvia da normal relação de aliança terapêutica do ato médico;
  • A tentativa de corromper a relação clínica fazendo-a depender da boa vontade;
  • O atentado à honra dos Médicos de Família;
  • A ausência de informação relativa ao percurso dos dados de saúde recolhidos.

Após análise destes aspectos o Colégio considera que este Programa coloca em causa a confidencialidade dos dados de saúde e a relação médico-doente:

  • O conjunto de testes pedidos é incorrecto do ponto de vista técnico-científico, porque não está sustentado por qualquer evidência. É condenável do ponto de vista deontológico pois pode induzir práticas não justificadas pelo interesse de saúde do doente, além de potencialmente criar falsas necessidades de consumo em saúde.

A aceitação da candidatura ao Programa é função da apresentação dos documentos requeridos, fazendo-a depender da publicitação de dados de saúde confidenciais relativos à intimidade da sua vida privada, especialmente protegidos face à Lei.

O facto dos resultados dos exames (como a situação serológica face ao VIH e hepatites) poderem influenciar a decisão da candidatura, pode configurar uma discriminação objectiva de pessoas com potencial risco agravado de saúde, numa situação de especial vulnerabilidade face à expectativa criada de resolução de um problema de saúde por si identificado.

Promove o recurso aos serviços públicos de saúde, apropriando-se de recursos que são de todos, colocando interesses privados potencialmente discriminatórios para o cidadão à frente da defesa da sua saúde.

Em conclusão, a forma de acesso à candidatura a esse programa de televisão coloca em causa direitos fundamentais dos cidadãos, nomeadamente e enquanto utilizadores dos serviços de saúde, situação em que o médico especialista em Medicina Geral e Familiar tem particular competência enquanto coordenador de cuidados de saúde e advogado do cidadão. Por isso, o Colégio de Medicina Geral e Familiar da Ordem dos Médicos considera que o processo de candidatura ao programa (…), operacionalizado através da “Ficha de candidatura …” não está conforme às Leges Artis, nem às regras deontológicas que comprometem os Médicos, nomeadamente os médicos especialistas em Medicina Geral e Familiar, nem à protecção dos direitos civis dos cidadãos, devendo ser liminarmente rejeitado.

Isabel P. Santos

Presidente da Direcção do Colégio da Especialidade de Medicina Geral e Familiar

Lisboa, 15 de Junho de 2018

Aprovado por: Ana Luísa Bettencourt, António Romão, Gonçalo Envia, Edite Spencer, Isabel Santos, Ivo Reis, Joana Monteiro, Marta Dora Ornelas, Paulo Santos, Victor Ramos.

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