Em resposta a uma solicitação de 12 de Fevereiro de 2014, referente ao assunto supracitado, a Direcção do Colégio da Especialidade de Ginecologia/Obstetrícia transcreve o parecer elaborado pelo Senhor Prof. Doutor Sousa Barros, com o qual esta Direcção concorda e que assume como seu:
“Não existem evidências científicas que validem a segurança e a eficiência deste tipo de procedimento, particularmente, no que diz respeito ao recém-nascido. De facto, embora uma análise da literatura científica sobre nascimentos subaquáticas identifique alguns estudos positivos, a falta de controlos científicos adequados, um número significativo de mortes e de doenças infantis não permitem recomendar e apoiar os partos na água. Não há nenhuma evidência convincente de benefício para o recém-nascido, mas alguma preocupação de dano grave. Portanto, o trabalho de parto e/ou o nascimento subaquático devem ser considerados procedimentos experimentais, que não devem ser realizados, excepto dentro do contexto de ensaios clínicos, adequadamente concebidos e após o consentimento informado das parturientes.
As apaixonadas alegações a favor do parto/nascimento na água carecem de fundamento, sendo baseadas em evidências anedóticas, sem ensaios clínicos randomizados que permitam uma avaliação baseada em evidências sobre a segurança e os benefícios dos nascimentos em meio aquático.
A introdução de qualquer procedimento clínico num serviço de acção médica pressupõe que o responsável por essa implementação, assegurou uma cobertura em recursos humanos capaz de garantir assistência sem quebras de continuidade até os procedimentos estarem concluídos. Assim, o responsável pela introdução do procedimento clínico num serviço deve ter em consideração o disposto no artigo 3º. do Código Deontológico destinado a médicos:
(Independência dos médicos)
- O médico, no exercício da sua profissão, é técnica e deontologicamente independente e responsável pelos seus actos.
Acresce, ainda, que, segundo a nossa interpretação do número 3 do referido artigo 3º., apesar da existência de hierarquias técnicas institucionais, legal ou contratualmente estabelecidas, em nenhum caso, um médico pode ser constrangido a praticar actos médicos contra sua vontade, sem prejuízo do disposto no artigo 7º. e 41º., número 1. Por outro lado, o Artigo 33º. (Condições de exercício) refere que:
- O médico deve exercer a sua profissão em condições que não prejudiquem a qualidade dos seus serviços e a especificidade da sua acção, não aceitando situações de interferência externa que lhe cerceiem a liberdade de fazer juízos clínicos e éticos e de actuar em conformidade com as leges artis.
Ora, o parto em meio aquático não está incluído como um procedimento que esteja de acordo com as leges artis médicas, não se encontrando referido na maioria dos tratados de obstetrícia ou de medicina materno fetal recomendados na formação médica.
Ainda o Artigo 34ª. (Responsabilidade) refere que:
- O médico é responsável pelos seus actos e pelos praticados por profissionais sob a sua orientação, desde que estes não se afastem das suas instruções, nem excedam os limites da sua competência.
- Nas equipas multidisciplinares, a responsabilidade de cada médico deve ser apreciada individualmente.
Assim, como atribuir responsabilidade a um médico pela execução de um procedimento que não iniciou e com o qual não concorda? Essa responsabilidade teria de ser transferida para o responsável do serviço.
Mesmo tendo em consideração o Artigo 38°. (Objecção técnica) – A recusa de subordinação a ordens técnicas oriundas de hierarquias institucionais, legal ou contratualmente estabelecidas, ou a normas de orientação adoptadas institucionalmente, só pode ser usada quando o médico se sentir constrangido a praticar ou deixar de praticar actos médicos, contra a sua opinião técnica, devendo, nesse caso, justificar-se de forma clara e por escrito.
Do exposto, pode concluir-se que o médico tem toda a legitimidade para recusar a realização de procedimentos com os quais não concorda. Em nossa opinião deverá, antecipadamente manifestá-lo por escrito, declarando que não aceitará a transferência de responsabilidade de qualquer parturiente que se encontre nas condições referidas. Caberá sempre a quem iniciou o procedimento, terminá-lo ou providenciar a sua substituição por quem esteja de acordo com o procedimento. Em circunstância alguma a parturiente pode ser abandonada, caso o procedimento esteja em curso.
Numa equipa em que nenhum médico esteja de acordo com o procedimento, o mesmo significa que esse procedimento não está disponível, não devendo ser oferecido às parturientes.
Conclusão:
O Colégio da Especialidade de Obstetrícia e Ginecologia da Ordem dos Médicos não recomenda o trabalho de parto e/ou o nascimento em meio subaquático.