O bastonário da Ordem dos Médicos reuniu no dia 23 de agosto com médicos internos da especialidade de Ginecologia/Obstetrícia e fez saber que há um hospital do país em que todos os médicos internos contam mais de 650 horas extraordinárias entre janeiro e agosto deste ano. Um “volume inaceitável”, próximo da “escravatura”, classificou Miguel Guimarães.
A reunião aconteceu na sequência de uma carta subscrita por 110 médicos internos daquela especialidade que fora enviada à Senhora Ministra da Saúde a 2 de agosto. A Ordem dos Médicos deu o espaço e o tempo necessário para que o Ministério da Saúde cumprisse o seu papel e mostrasse intenção de ouvir estes médicos. No entanto, passados mais de 20 dias, tornou-se impreterível tomar uma atitude.
É de lamentar que no hiato temporal entre o envio da carta e a reunião supracitada não tenha existido qualquer resposta da parte da tutela, nem mesmo um aviso de receção, sublinhou a OM e os próprios médicos internos.
Nesta sequência de acontecimentos, o bastonário convocou os médicos para uma reunião com o objetivo de ouvir os colegas e de se informar, de forma direta, sobre os principais problemas vivenciados nos serviços de urgência da especialidade, nomeadamente aqueles que interferem negativamente na formação dos médicos internos e, simultaneamente, aqueles que colocam em causa a segurança dos doentes que procuram estes cuidados.
“Quando os médicos mostram preocupação em identificar as questões que estão menos bem e é necessário corrigir com urgência, não terem sequer uma sinalização da receção da carta ou, mais grave ainda, não existir uma reunião [com a tutela] é lamentável”, disse o bastonário após a reunião, em declarações aos jornalistas.
Sublinhando que desde junho se assiste a constrangimentos nos serviços Ginecologia e Obstetrícia de alguns hospitais do SNS e que desde o início do ano os médicos alertavam para essa situação, Miguel Guimarães considerou que o problema vai agravar-se “se nada for feito” com consequências a diferentes níveis.
“A própria formação está a começar a ser prejudicada nesta matéria”, referiu, explicando que em muitos casos os médicos internos “estão a ser desviados para fazerem serviço de urgência em detrimento de fazerem a sua formação em áreas especificas”.
O problema, acrescentou, não é exclusivo da Obstetrícia e Ginecologia, a crise já alastrou a várias especialidades, e tem resultado, nos últimos anos, na saída de profissionais do SNS.
“Os médicos, em vez de estarem a protestar, a fazer manifestações e greves, estão a sair do SNS e o facto de haver muitos médicos especialistas a sair do SNS é o sinal de alerta mais forte que existe”, disse, afirmando que não se trata de falta de médicos, mas da dificuldade em captar e manter médicos no setor público.
Os médicos internos tomaram a palavra durante a reunião, partilhando as suas principais preocupações e angústias, apresentando também algumas potenciais soluções para melhorar o funcionamento dos serviços. Foi relatado, por exemplo, que existem blocos operatórios a funcionar a uma temperatura de 28º C, o que coloca em causa a segurança dos doentes e não se coaduna com as condições necessárias para proceder a uma cirurgia, fomentando, inclusivamente, um maior risco de desenvolvimento de infeções.
Por estes, e por mais motivos, a Ordem dos Médicos apelou uma vez mais à tutela para que ouça os médicos e, de uma vez por todas, tome as ações necessárias para valorizar o trabalho destes profissionais. Ignorar os problemas nunca foi método para os resolver.