O agravamento da situação no Centro Hospitalar de Setúbal, que culminou na demissão de 87 diretores de serviço, departamento e chefes de equipa de urgência desta unidade, motivou a audição do bastonário da Ordem dos Médicos na Comissão Parlamentar de Saúde, no dia 25 de outubro. Aos deputados, Miguel Guimarães recordou que a situação em Setúbal tem já anos e que, apesar de ser a unidade que mais visitou no seu mandato, o Ministério da Saúde nada tem feito para encontrar soluções.
“A situação é grave e arrasta-se”, alertou o bastonário, que defendeu que é urgente rever as condições de funcionamento do Serviço Nacional de Saúde. “O SNS não está adaptado à realidade atual”, insistiu, avançando que “é fundamental que a carreira médica esteja atualizada e capaz de ser concorrencial com o setor privado e com os países com quem temos relações privilegiadas”.
Em resposta aos partidos sobre a suposta falta de médicos em Portugal e dificuldade em formar novos especialistas, o bastonário garantiu que o país tem médicos suficientes para as necessidades, existindo sim dificuldade do sistema público em ser atrativo. “Cerca de 50% dos médicos estão fora do SNS”, disse, reforçando que a Ordem dos Médicos tem feito um “trabalho ciclópico que o Ministério da Saúde não tem capacidade para fazer” em termos de avaliação das idoneidades e capacidades formativas. Miguel Guimarães recordou que, desde que é bastonário, tem sempre aumentado o número de capacidades formativas identificadas, sendo que o Ministério da Saúde até tem aberto um número de vagas inferior às capacidades apontadas pela Ordem. Porém, “desde 2015 foram mais os jovens médicos que não ficaram no SNS do que os que ficaram”.
Presente na mesma audição, o presidente do Conselho Regional do Sul da Ordem dos Médicos, Alexandre Valentim Lourenço, corroborou que as novas instalações para a urgência de Setúbal estão previstas há cinco anos e que só agora vão avançar – num investimento que caiu de 18 milhões de euros para 13 milhões. Alexandre Valentim Lourenço lembrou depois que faltam também equipamentos essenciais ao diagnóstico: Setúbal não tem uma ressonância magnética e só tem uma TAC. Também o facto de só existirem dois blocos abertos compromete a formação, nomeadamente na área da anestesia. “Entramos num círculo vicioso negativo em que os especialistas acabam por ir para outros hospitais. É preciso reverter esta situação com medidas centrais”, afirmou.
Por seu lado, o presidente da Sub-Região de Setúbal da Ordem dos Médicos, Daniel Travancinha, na mesma comissão, reforçou que a degradação do Centro Hospitalar de Setúbal é um “retrato fiel do Serviço Nacional de Saúde, elevado ao expoente máximo”. “Faltam instalações, faltam médicos, faltam jovens médicos, sobejam doentes crónicos e críticos nas urgências”, disse.
“O CHS cobre uma área de cerca de 270 mil habitantes e promove assistência indireta a pelo menos mais 100 mil habitantes. É um hospital de nível C e tem urgência médico-cirúrgica, classificação inferior à assistência que pratica, ostentando serviços que poderiam colocá-lo no nível D, polivalente, com pneumologia, oncologia, cirurgia plástica, urologia, cardiologia de intervenção e outros”, justificou, lembrando que a reclassificação permitiria uma melhoria significativa no financiamento do CHS. Daniel Travancinha salientou ainda que as obras de ampliação do Hospital de São Bernardo, já em concurso público, não são suficientes para incorporar o Hospital Ortopédico do Outão.
No dia 27 de outubro foi a vez da Comissão de Saúde ouvir os médicos demissionários que, perante os deputados, defenderam a reclassificação urgente daquela unidade hospitalar. O grupo adiantou ainda no parlamento que neste momento já faltam pelo menos 70 médicos no hospital, alertando que o cenário pode ser agravado com muitas saídas por reforma nos próximos anos.