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O Estatuto do Cuidador Informal, um passo importante no apoio aos cuidadores

Autora:

Flávia Cardoso Soares

Médica Interna de Medicina Geral e Familiar

USF Terras de Santa Maria (ACeS Entre Douro e Vouga I – Feira/Arouca)

 

O Estatuto do Cuidador Informal, um passo importante no apoio aos cuidadores

 

A Lei nº100/2019 aprovou o tão aguardado “Estatuto do Cuidador Informal”, dando alento às expetativas de tantos cuidadores portugueses que há muito pediam este reconhecimento.

O projeto piloto, aplicado a trinta concelhos, arrancou em 2020 e neste momento é já possível a requisição do Estatuto em todo o país. Contudo, os apoios preconizados, como o subsídio de apoio ao cuidador informal principal, estão apenas em operacionalização nos concelhos piloto.

O médico de Medicina Geral e Familiar, pela acessibilidade que caracteriza a sua prática, é frequentemente o profissional que informa e auxilia os utentes na obtenção deste estatuto. É neste papel que deixo a minha opinião sobre alguns pontos da Lei e subsequentes portarias emitidas.

O atual documento impossibilita a atribuição do estatuto a todos os cuidadores que não são familiares da pessoa cuidada, nomeadamente vizinhos e amigos, segundo os critérios estabelecidos no Art.º 2.º. Esta imposição ignora uma importante faixa de cuidadores que se veem mais uma vez desprotegidos pela lei.

O requerimento do Estatuto ao Instituto da Segurança Social (ISS, I.P) é feito pelo cuidador informal, com o consentimento da pessoa cuidada sempre que este seja possível. Quando a mesma não está na posse das suas faculdades mentais o consentimento é dado pelo seu acompanhante nos termos previstos na Lei n.º 49/2018, de 14 de agosto. Neste último caso é ainda mais premente agir em prol do dependente e garantir a adequação do cuidador autoproposto. É de facto necessário um atestado médico que certifique que o requerente possui condições físicas e psicológicas adequadas aos cuidados a prestar à pessoa cuidada. No entanto, o diploma não estipula uma avaliação de competências dos cuidadores para a prestação de cuidados com segurança, o que seria mais benéfico para a pessoa cuidada do que a restrição de cuidadores não familiares…

Outra questão importante, que ficou por abordar, prende-se com as condições de habitabilidade e segurança essenciais no ambiente de prestação de cuidados. A lei não estipula quais os pré-requisitos mínimos a preencher e quais os apoios sociais que se podem acionar de forma a corrigir incumprimentos.

Um dos critérios exigidos à pessoa cuidada é que esta necessite de cuidados permanentes e seja titular de uma de três prestações sociais: Complemento por dependência de 2.º grau; Subsídio por assistência de terceira pessoa ou o Complemento por dependência de 1.º grau (mediante prova de que o doente se encontra acamado ou a necessitar de cuidados permanentes). Uma informação que é necessário difundir é que qualquer uma destas prestações não é acumulável com o subsídio de apoio ao cuidador informal principal… Seria importante a criação de uma secção específica, idealmente com integração do ISS, I.P para avaliar a atribuição do estatuto.

São vários os apoios atribuídos aos cuidadores informais reconhecidos. Um dos apoios referidos será a formação na prestação de cuidados. Que organismo estará responsável pela dita formação, bem como os moldes em que a mesma se irá realizar, ficam por esclarecer. Um cuidador a tempo inteiro dificilmente se conseguirá ausentar para se dedicar a sessões de formação sem apoio de retaguarda…

Preconiza-se o apoio psicológico aos cuidadores sendo que os termos em que este será fornecido não são explanados. Sabe-se que o Sistema Nacional de Saúde não está preparado para o atual volume de pedidos de acompanhamento na área da saúde mental, nomeadamente em consultas de Psicologia, e certamente não o estará para os cuidadores munidos de reconhecimento. Terão os últimos prioridade?

O Estatuto prevê ainda como medidas de apoio ao cuidador informal o encaminhamento para redes sociais de suporte, estas não são definidas nem é determinado quem as irá exercer. Atendendo à situação atual das estruturas residenciais para pessoas idosas (ERPI) e dos lares residenciais, é muito incerta a capacidade do ISS I. P. em assegurar as vagas necessárias para garantir este encaminhamento periódico e transitório.

Relativamente às medidas de apoio específicas ao cuidador informal principal, a Portaria n.º 64/2020 detalha o direito do cuidador informal principal à promoção da integração no mercado de trabalho, estabelecendo que este tem direito a apoios e intervenções técnicas do Instituto do Emprego e da Formação Profissional, I. P.. No entanto uma das condições para a obtenção pelo cuidador principal do subsídio de apoio é que este não exerça uma atividade profissional remunerada ou outra atividade incompatível com a prestação de cuidados permanente. Assim, a reinserção do cuidador informal principal no mercado de trabalho implica o não reconhecimento do estatuto de cuidador principal e a cessação do subsídio de apoio…

A criação do Estatuto do Cuidador Informal foi decididamente um passo importante na direção de uma melhor prestação de cuidados a uma população cada vez mais envelhecida e dependente. É necessário o contínuo debate crítico para que este apoio se materialize e tenha um impacto concreto na qualidade de vida dos doentes e cuidadores.

 

Bibliografia

Diário da República nº 171/2019, Série I de 2019-09-06

Diário da República nº 7/2020, Série I de 2020-01-10

Diário da República nº 49/2020, Série I de 2020-03-10