Autora: Sara Domingues, Médica Interna do 4º ano de Formação Específica em MGF (USF Pró-Saúde, ACeS Cávado II Gerês/Cabreira)
Começo esta pequena reflexão com a seguinte questão: Será a relação comunicacional importante para a relação clínica? A resposta espontânea que encontro é afirmativa: sim, sem dúvida que sim! Mas esta resposta sugere outra pergunta: o que é que é mais importante na relação com os doentes – a capacidade clínica ou a capacidade relacional? A resposta que o meu cérebro sugere é algo mais lenta porque a pergunta parece tola. Mas, a resposta chegou: a pergunta parece tonta porque não é possível fazer essa comparação, pois elas fazem parte do mesmo evento – o ato médico. Considerá-las como separáveis seria como explicar a importância relativa da faca e do garfo – podemos usar um só dos instrumentos para comer, mas será mais ineficaz e ineficiente, ou seja, comeremos menos bem e demoraremos mais tempo. Então, acordamos esta primeira conclusão sobre a relação médico-doente: é, simultaneamente, uma relação clínica e dialógica.
Uma outra questão emerge. De que depende o sucesso da consulta médica? Do conhecimento clínico dos sintomas da doença por parte da pessoa que consulta e da informação fornecida e retida pela pessoa que é consultada. No fim de contas, é de comunicação que falamos. Comunicar é tornar comum e, para isso, é necessário a partilha de códigos, a atribuição dos mesmos significados aos sinais verbais e não verbais. No centro do ato médico encontramos a comunicação. Ela é fundamental na recolha da história clínica, na realização do exame objetivo, na troca de opiniões com colegas, na transmissão das recomendações e prescrições aos doentes, na promoção da saúde e prevenção da doença. Nada na consulta médica existe fora da comunicação. Na verdade, médicos e doentes continuamente procuram e interpretam sinais verbais e não verbais para guiarem a sua conduta relacional. E, como a ciência já estabeleceu, na forma de primado da pragmática da comunicação, é impossível não comunicar!
Existem vários estudos que demonstram a importância de uma boa comunicação na relação clínica. Boas competências comunicacionais associam-se a maior satisfação do utente com o ato médico, maior adesão à terapêutica e à adoção de estilos de vida mais saudáveis. Quando adequada, permite também prevenir o stress e aumentar a satisfação do(a) médico(a). Pelo contrário, uma comunicação clínica inadequada está associada a maior número de queixas por má prática clínica e diminui a eficácia das intervenções terapêuticas. Posto isto, pergunto-me, estarão os médicos a comunicar bem? Vários autores que estudam o processo da consulta, afirmam que os médicos interrompem os doentes com frequência e que, em média, só esperam cerca de vinte e três segundos até à primeira interrupção. Por vezes, não é dado ao utente tempo para exprimir sentimentos, angústias, dificuldades familiares ou socioculturais. Este comportamento pode influenciar o resto da consulta e afetar a obtenção de dados importantes, condicionando a realização de uma prática clínica centrada na doença física e não no doente enquanto pessoa.
A comunicação é uma necessidade na relação médico-doente. Durante a minha formação como Médica de Família, apercebi-me que, muitas vezes, o utente tem necessidade de ser ouvido nas suas queixas, ser compreendido na expressão das suas dores, e de se sentir sentido, de encontrar alguém que pontue as suas emoções, receios e angústias num texto mais ameno e aceitável. Apercebi-me, também, do efeito da palavra e que, por vezes, a ressonância empática pode ser mais importante do que a prescrição de um exame ou de um tratamento específico. Contudo, há vários factores que perturbam este processo comunicacional: o desgaste profissional diminui a predisposição para a relação empática; o tempo limitado previsto da consulta reduz as possibilidades de comunicação; o uso de diferentes sistemas informáticos gera desperdícios de tempo. Por isso, quanto menor o tempo de consulta, menor o tempo de comunicação. Esta inevitável limitação tende a tornar a relação clínica e comunicacional mais impessoal, mais centrada nos sintomas objetivamente clínicos e mais desvalorizadora dos aspetos psicológicos e emocionais. A comunicação não perde o seu dom, apenas não há tempo suficiente para explorar o dom de comunicar. Creio que, se fosse possível fazer cálculos objetivos sobre perdas e ganhos, a aposta em mais comunicação traria mais saúde e mais satisfação.