Autor: Paulo Luz, Médico Interno do 2º ano de Formação Específica em Oncologia Médica (Centro Hospitalar Universitário do Algarve)
Resumo: Trata-se de um artigo de reflexão sobre o meu estágio em Medicina Interna nomeadamente sobre o percurso dos doentes que recebem um diagnóstico oncológico durante o internamento. A mensagem final após este estágio é que devemos abandonar todas as atitudes que se possam considerar obstinação diagnóstica ou terapêutica; cada ato médico deve ser justificado pelo o benefício que irá trazer ao doente.
O estágio em Medicina Interna é um dos mais importantes do Internato em Oncologia Médica sendo a sua duração reflexo disso mesmo. Realizei este estágio de janeiro de 2017 a junho de 2018 no Centro Hospitalar Universitário do Algarve. Como interno de oncologia tinha especial interesse nos doentes internados para estudo de metástases de primário ainda desconhecido ou de neoplasia oculta. Haviam ainda os doentes internados por outros motivos, mas que no decorrer do internamento recebiam um diagnóstico oncológico. Seja, porque motivo fosse, toda a marcha diagnóstica em busca da histologia da neoplasia primária despertava bastante curiosidade.
Analisando os doentes observados pela equipa que integrei verificamos que dos 176 doentes internados no período de tempo anteriormente descrito, 11 receberam um diagnóstico de doença oncológica durante o internamento com média de idade de 73 anos (44-87) (3 do sexo feminino e 8 do sexo masculino). Relativamente ao motivo de internamento 9 foram internados para estudo de doença neoplásica tendo os restantes 3 internados inicialmente por pneumonia adquirida da comunidade. Dos 11 doentes, 2 receberam diagnóstico de neoplasia hematológica. Todos os 9 doentes com diagnóstico de neoplasia sólida apresentavam doença metastática. Relativamente ao destino, 3 doentes faleceram durante o internamento (2 sem confirmação histológica dado rápido deterioro) e 5 foram referenciados para cuidados paliativos vindo a falecer nos 3 meses após a alta. Apenas 3 doentes iniciaram terapêutica dirigida à doença encontrando-se em seguimento na consulta de oncologia médica atualmente (um caso de melanoma, carcinoma neuro-endócrino e adenocarcinoma do pulmão). Todas as neoplasias diagnosticadas encontravam-se em fases avançadas da doença e nenhuma delas estava englobada nos rastreios preconizados pela Direcção Geral de Saúde.
Dada a elevada mortalidade no internamento e no pós-alta imediato e o número reduzido de doentes que iniciaram terapêutica dirigida à doença é importante evitar atitudes que levem à obstinação diagnóstica ou terapêutica nestes casos. Antes de iniciar o estudo é imperioso colocar outra questão: porque vou estudar este doente? Porque é que vou submete-lo a uma extensa marcha diagnóstica de exames, não isentos de riscos e que podem provocar desconforto? Seja qual for a situação a resposta tem que ser sempre a mesma: devo iniciar o estudo se isso implicar a toma de uma atitude posterior com benefício para o doente. É importante saber gerir “ansiedades” do profissional de saúde e ter a consciência que nem sempre teremos resposta para todas as questões, o que não implica que o conforto do doente esteja comprometido. Outra forma de reduzir a obstinação diagnóstica é a discussão do caso com a Oncologia Médica principalmente nas situações limítrofes em que existem dúvidas sobre a existência de condições clínicas para iniciar tratamentos dirigidos à doença com benefício para o doente.
Terminando este período de formação esta é talvez a mensagem mais importante que retirei: evitar a futilidade, ou seja, quando não somos capazes de atingir o fim pretendido, o de beneficiar o doente. A Medicina Interna terá sempre um papel fundamental nesta questão; é nesta especialidade que se constroem os alicerces de um oncologista que não vê apenas um cancro de pulmão, próstata ou mama, mas que é capaz de tomar decisões tendo em conta o doente que tem diante, os seus antecedentes, contextos familiar e social e que baseando-se em todos estes fatores toma a atitude mais beneficiosa para o doente (ou a que pelo menos crê que seja).