A Ordem dos Médicos entregou, no dia 15 de fevereiro, ao ministro da Saúde um novo documento estruturante que serve de base para a discussão sobre as carreiras médicas. Passados 30 anos, a Ordem concluiu um novo relatório sobre o tema que vai publicar em livro e colocar à discussão da classe como ponto de partida para uma negociação com a tutela.
Miguel Guimarães considera que o documento está “bem estruturado”, já que resulta de quatro grandes estudos que envolveram médicos de todo o país, onde estão definidos os grandes desafios que no futuro se colocarão à medicina e aos profissionais, mas também medidas que devem ser tidas em conta pela tutela para se alcançar um Serviço Nacional de Saúde (SNS) “mais eficiente e uma medicina de melhor qualidade”.
Em declarações à comunicação social, o bastonário da Ordem dos Médicos afirmou que “tudo o que está no documento serve um propósito, beneficiar os doentes para que estes tenham acesso mais rápido e com melhor qualidade aos serviços de saúde, para que não tenham de esperar meses ou anos por uma consulta ou por uma cirurgia e também uma melhor relação médico-doente”, sendo que “algumas das medidas, pelo menos aquelas que não implicam investimento e não dependem do ministério das Finanças poderiam avançar rapidamente”, sublinhou. Acrescentando ainda que “o ministério das Finanças tem de pensar que a saúde é a maior fonte de retorno económico para o Estado”.
No início do documento pode ler-se que a “prioridade central para recuperar e transformar o SNS”, é “devolver a motivação e confiança aos médicos e profissionais de saúde”. O relatório propõe que se envolvam “os médicos nas decisões sobre o sistema de saúde, reforçando e ampliando a importância da liderança médica, da governação clínica e do trabalho em equipa”. Valorizando, desta forma, “o trabalho, a formação e a investigação dos médicos, através da carreira médica, com salários justos de acordo com a intensa formação no ensino superior, conhecimento, responsabilidade e competências”.
A proposta releva, ainda, os benefícios de um novo Serviço Médico à Periferia. Não sendo um Serviço à Periferia como se fez no passado, mas em moldes diferentes para a realidade atual, criando-se as condições para que possa acontecer. “Esta modalidade funcionaria como forma de fixar médicos no interior do país, já que atualmente o país está a competir não apenas com carreiras dentro ou fora do SNS”, mas também na União Europeia.
“É preciso agir já e implementar medidas globais que incluam não só os profissionais como a família, a educação, a habitação, a redução de impostos, o apoio à formação e investigação, um salário reforçado, progressão na carreira mais ágil e outras medidas de âmbito regional e local que possam contribuir para reforçar a preferência dos médicos e outros profissionais pelas zonas mais carenciadas e desfavorecidas”, explicou o bastonário.
No sentido de melhorar as condições de trabalho dos médicos, é proposto que “a profissão seja consagrada como de risco e desgaste rápido”, criando-se também “uma linha verde de apoio a médicos e profissionais de saúde para prevenção e tratamento de burnout, sofrimento ético e violência física e/ou psíquica”. Outra prioridade a consagrar “é a garantia de apoios à formação médica nas áreas científica, gestão, organização, estratégia e liderança”, bem como “o apoio ao desenvolvimento e implementação de programas de fellowships, pela Ordem dos Médicos”.
Tendo em vista a modernização e competitividade do SNS são propostas medidas que visam “a melhoria do acesso, a qualidade e a sustentabilidade do SNS, centrando os serviços de saúde no doente/cidadão”, o que pode ser conseguido com a “duplicação de investimento nos pilares do sistema de saúde: literacia e educação em saúde e prevenção da doença” e com a aposta na “transição e transformação digital na saúde”, que teria como foco o “processo clínico único em Portugal”.
Por outro lado, há que “equipar as unidades de saúde de forma a garantir a prática de uma telemedicina de qualidade, eficaz, segura e protetiva, expandindo a medicina à distância e a Inteligência Artificial, desenvolvendo ainda “vias verdes entre centros de saúde e hospitais”.
O documento não esquece que para se alcançar um SNS mais eficiente é preciso também “modernizar a administração pública, permitindo mais flexibilidade e rapidez na contratação pública e aquisição de equipamentos”, bem como “mitigar tarefas administrativas e burocráticas ou transferi-las para outros profissionais, dando tempo aos médicos para exercerem medicina”.
Outras recomendações vão para a necessidade da reforma do serviço de urgência e emergência médica, com uma campanha nacional do “serviço de urgência seguro”, para educar os cidadãos na utilização dos serviços de saúde, uma vez que existe uma grande iliteracia da população nesta matéria; para a conclusão da reforma da saúde pública; para o reforço de meios e equipamentos necessários para que os médicos de saúde pública se centrem na sua missão essencial; para o combate ao desperdício e ineficiências na gestão de recursos.
O foco da nova carreira médica está nos profissionais em formação. “É preciso pensar hoje a Saúde para estarmos devidamente preparados para responder às necessidades dos cidadãos no futuro”. Mas nesta tarefa “é importante envolver todos os parceiros da saúde”. E com este documento, diz o representante máximo da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, “já estamos a fazê-lo”.
O relatório alerta, ainda, para oito “grandes desafios” que o SNS enfrenta, como o custo dos cuidados, o acesso dos utentes, o “atraso deliberado” na inovação e as alterações demográficas.
Em breve todo o teor do documento será publicado e tornado público.