O Movimento Saúde em Dia apresentou publicamente, no dia 7 de julho, o estudo “O impacto da pandemia COVID-19 e as medidas de recuperação necessárias”. Esta análise, realizada pela GfK, resultou de inquéritos a médicos especialistas de Medicina Geral e Familiar e de Medicina Interna, bem como a doentes crónicos, associações de doentes e utilizadores do SNS em geral. Foram ainda entrevistados alguns administradores hospitalares.
Quase dois terços dos médicos acreditam que os doentes não-COVID foram profundamente impactados pela pandemia e pelas opções políticas de resposta à mesma, metade dos médicos consideram que a qualidade dos atos clínicos realizados foi muito afetada e 4 em cada 10 doentes crónicos sentiram um agravamento da sua doença. Destes, 21% não procuraram cuidados médicos. Estas são algumas das conclusões de impacto conhecidas através da apresentação de resultados feita por António Gomes, diretor-geral da GfK.
Os administradores hospitalares ouvidos no âmbito do estudo sugeriram como medidas e ações futuras necessárias, entre outras, o aprofundamento da “articulação de cuidados pré-hospitalares, hospitalares e continuados” e um “modelo futuro de acompanhamento diferenciado e gestão de proximidade” pensado para as doenças crónicas.
Já na perspetiva dos médicos inquiridos, é urgente recuperar situações que “ficaram para trás”, prestando especial atenção a doenças oncológicas e cardiovasculares (melhorando o acesso a consultas destas especialidades). Os médicos alertam que é urgente a contratação de mais profissionais de saúde, bem como minimizar o trabalho burocrático e informático que já era um problema vincado no pré-pandemia.
Por fim, os doentes ouvidos queixam-se sobretudo da dificuldade de acesso a cuidados médicos. Uma realidade que se expressa desde o cancelamento e adiamento de atos médicos programados até à dificuldade em marcá-los.
Comentários e perspetivas
Na sessão que teve lugar na Ordem dos Médicos, no dia 7 de julho, houve espaço para quatro comentários a estes dados, bem com aos números que revelaram o que ficou “para trás” durante a pandemia.
Com moderação da assessora de comunicação da Ordem dos Médicos, Romana Borja-Santos, o primeiro interveniente foi Daniel Ferro, presidente do conselho de administração do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte. O administrador considerou que existiu sobretudo uma “quebra da procura” e nem tanto uma redução da oferta hospitalar. Claro que existiram “impactos e implicações” ao longo da pandemia e numa primeira fase, confessou, “constatou-se uma quebra e suspensão de atividade programada”, justificada pela preparação que os hospitais tiveram de ter para conseguir dar resposta. “Não foi tempo perdido”, porque foi essa preparação que permitiu uma resposta forte na terceira fase da pandemia. “Se não o tivéssemos feito, o SNS não tinha dado resposta a altura”, disse.
Rubina Correia e Luís Campos, especialistas de Medicina Geral e Familiar e de Medicina Interna, respetivamente, foram os oradores que se seguiram para oferecer ao auditório uma visão médica dos números. “Os dados manifestam que os serviços de saúde não conseguiram dar o acesso aos doentes que seria desejável”, lamentou Rubina Correia. A também conselheira nacional da Ordem dos Médicos salientou que a taxa de esforço dos médicos de família tem aumentado, pois “fizeram outras tarefas que os retiraram” do que habitualmente fazem. “O seu tempo esteve dividido entre o que já faziam antes, mais os doentes com COVID”. Recorde-se que os médicos de família vigiaram 96% dos doentes com COVID-19. Outro fator que não permite aos médicos de família voltar aos tempos pré-pandemia é a vacinação. “A maior parte dos centros de vacinação do país são assegurados por médicos de Medicina Geral e Familiar”, frisou a oradora, defendendo que esta tarefa não pode recair apenas sobre os cuidados de saúde primários. “Os médicos de família querem fazer o seu trabalho”, mas para isso é preciso terem condições que lhes permitam ver os seus doentes de sempre.
Já Luís Campos centrou-se na realidade hospitalar. O especialista de Medicina Interna afirmou que o problema é maior do que a falta de referenciação dos doentes, pois também “não estão a ser acompanhados nos hospitais”. Falta de autonomia, pouca comunicação e articulação entre cuidados, fragilidade dos sistemas de informação e escassez de recursos humanos, foram alguns dos muitos problemas enunciados. Ainda assim, garantiu, o que permitiu que a resposta do SNS fosse melhor do que em muitos locais do resto do mundo, foi a “competência” dos profissionais de saúde que “deram o litro”, destacou. “Temos uma Medicina Interna forte e com capacidade, os internos foram extraordinários, vi atos de generosidade, entrega e dedicação absolutamente incríveis”.
Por fim, Isabel Saraiva, presidente da associação de doentes Respira, partilhou com o auditório as preocupações daqueles que representa direta ou indiretamente. “Nos primeiros meses, senti-me apavorada”, contou, garantindo que o sentimento foi comum a milhares de pessoas que sofrem de doenças crónicas. “Em Portugal, 15 meses de pandemia correspondem a 6 meses de suspensão de cuidados” de saúde, anotou. “Isto tem uma dimensão absolutamente esmagadora” e que tem consequências nefastas. É obrigatório recuperar, de forma rápida e organizada, apelou às autoridades de saúde.