A conciliação entre a esfera profissional e familiar é considerada um desafio para os médicos, com 73% dos profissionais a assumirem dificuldades em encontrar este equilíbrio quando trabalham no Serviço Nacional de Saúde (SNS). No setor privado esse valor é significativamente mais baixo, mas ainda assim a conciliação merece uma avaliação negativa por 40% dos médicos inquiridos num estudo.
No total, 56% dos médicos consideram ter uma carga horária superior ao necessário para conseguirem conciliar trabalho e família e as horas alocadas ao serviço de urgência parecem ser as que mais contribuem para a avaliação negativa. As conclusões fazem parte do estudo Conciliação Trabalho-Família na Profissão Médica: Um Estudo Exploratório, publicado em Ahead Of Print na Acta Médica Portuguesa, no dia em que se assinala o Dia Internacional da Família.
O estudo observacional, transversal e exploratório teve como base um inquérito online a uma amostra de 181 médicos sócios da Associação dos Médicos Católicos Portugueses e é da autoria de Pedro Afonso (Clínica Universitária de Psiquiatria e Psicologia Médica. Faculdade de Medicina. Universidade de Lisboa), Olga Vaz Aleixo (Unidade de Saúde Familiar Caminhos do Cértoma. Agurapamentos de Centro de Saúde do Baixo Mondego. Pampilhosa), Rute Vaz Aleixo (Médica Interna do Ano Comum. Centro Hospitalar de Trás- os-Montes e Alto Douro. Vila Real), Diogo de Carvalho (AESE Business School. Lisboa) e José Augusto Simões (Faculdade de Ciências Médicas. Universidade da Beira Interior. Covilhã).
O psiquiatra Pedro Afonso, que coordenou o trabalho, salienta que a amostra apresenta algumas limitações, pretendendo-se, sobretudo, dar pistas para o debate sobre a conciliação trabalho-família da profissão médica em Portugal. O autor sublinha que os resultados comprovam que “a profissão médica encerra caraterísticas muito particulares, nomeadamente ao nível da necessidade de formação contínua, que colocam os médicos numa situação particular de risco para alcançarem a desejada conciliação”.
“Ainda que estejamos perante uma amostra pequena e com algumas condicionantes, estes números infelizmente vão ao encontro do que a Ordem dos Médicos sente no terreno. O desinvestimento no Serviço Nacional de Saúde e a saída de muitos dos médicos mais experientes tem conduzido a uma degradação das condições de trabalho com um impacto muito direto e negativo na conciliação entre a vida profissional e familiar”, sublinha o bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães.
Para o bastonário, “é fundamental revertermos a política pública de contratação e gestão de recursos humanos, até porque a literatura nacional e internacional é muito clara: quanto mais satisfeito o profissional está com o equilíbrio entre as várias esferas da sua vida, mais comprometido fica com a instituição e mais provável é que queira permanecer no SNS”.
O trabalho de Pedro Afonso indica também que 75% dos inquiridos trabalham no limite ou em excesso de carga horária. Para reverter esta situação, os participantes identificaram três medidas mais relevantes: possibilidade de flexibilizar o horário, trabalhar a tempo parcial ou reduzir temporariamente o horário, por exemplo, para assistência à família. “No setor público, porventura, encontramos mais rigidez na questão da flexibilização de horários, o que pode justificar que a dificuldade de conciliação no SNS seja superior ao que encontrámos no setor privado”, explica Pedro Afonso.