Autor: Joana Carvalhido, Médica Interna do 4º ano de Medicina Geral e Familiar na USF Prelada (ACeS Porto Ocidental)
A Organização Mundial da Saúde (OMS) define literacia em saúde como o conjunto de “competências cognitivas e sociais e a capacidade da pessoa para aceder, compreender e utilizar informação por forma a promover e a manter uma boa saúde”.1
A literacia em saúde implica o conhecimento, a motivação e as competências das pessoas para aceder, compreender, avaliar e aplicar informação em saúde de forma a formar juízos e tomar decisões no quotidiano sobre cuidados de saúde, prevenção de doenças e promoção da saúde, mantendo ou melhorando a sua qualidade de vida durante todo o ciclo de vida.2
Não é algo novo, ou um “tema na moda” de que tanto se disserta, como podemos verificar pela quantidade de publicações disponíveis. O conceito de literacia em saúde surge em 1974 num artigo intitulado «Health education as social policy», intimamente ligado às questões de promoção de saúde.3 Apesar de estreitamente relacionado com o conceito de literacia geral, cedo se reconheceu que as pessoas precisam mais do que competências de literacia geral para serem capazes de enfrentar os desafios de saúde e relacionados com os cuidados de saúde, cada vez mais complexos, que têm de enfrentar.4 Os resultados do inquérito sobre literacia em saúde em Portugal 2016, (ILS-PT), revelam que 5 em cada 10 portugueses têm níveis reduzidos de literacia em saúde. Segundo os seus autores, o baixo nível de literacia em saúde da população portuguesa acarreta custos individuais e sociais, e está normalmente associado a baixos níveis educacionais e de acesso a informação que provocam a diminuição da autonomia da pessoa.5
É crucial o incremento dos níveis de literacia em saúde na população portuguesa, no sentido de otimizar a qualidade de vida e o bem-estar da população, assim como forma de diminuição dos custos em saúde.
Como médicos é algo com que convivemos diariamente, e repetidamente nos confrontámos com a iliteracia no que diz respeito à saúde, dos nossos utentes/doentes, mesmo daqueles considerados com altos níveis de literacia geral.
Os cuidados de saúde primários representam uma posição privilegiada na prestação de cuidados de proximidade, de promoção da saúde e prevenção da doença, tendo um papel fundamental na promoção da literacia em saúde. Na minha opinião cada consulta médica é, ou idealmente deveria ser sempre um momento de promoção de literacia em saúde. A comunicação entre a pessoa e o profissional de saúde é importantíssima para a passagem da mensagem pessoa a pessoa, uma vez que esta é poderoso veículo de informação para a capacitação na tomada de decisões, assim como para a edução e promoção da saúde. No entanto, o atual modelo de consulta médica em Cuidados de Saúde Primários, que impõe números e metas a alcançar, com listas de utentes intermináveis, sucessivas consultas marcadas, com tempos curtos estipulados para cada uma, onde metade desses minutos são dedicados ao computador e a todos os “cliques” e verificações para cumprir indicadores. Uma espécie de linha de produção fabril, na relação inversa com a perspetiva holística e abordagem abrangente que são aclamadas como pilares da Medicina Geral e Familiar. Na prática isto resulta em pouco tempo para dedicar à pessoa, para ir ao encontro às suas dúvidas e expectativas e, frequentemente, o papel de médico fica incompleto, sendo quase nulo o contributo para a promoção da literacia em saúde. Enquanto isto na sala de espera estão vários utentes aguardando por uma consulta, certamente entre eles estará um quadro respiratório simples e banal com um ou dois dias de evolução que pensa precisar urgentemente de um antibiótico… felizmente recorreu aos CSP e não a uma urgência hospitalar! A iliteracia todos os dias nos visita e espanta.
Parece-me óbvio que de uma forma global, e vários estudos o corroboram, que adequados níveis de literacia em saúde conduzem a um melhor estado de saúde da população, e consequentemente a uma redução dos custos com os cuidados de saúde. Como tal é fundamental manter todo o investimento que tem sido feito nesta área, mas tendo em conta as barreiras, e dificuldades que se erguem em várias frentes, passando também pelo combate aos fatores promotores de iliteracia em saúde, quer a nível individual, como global. São exemplo múltiplas páginas de pseudoinformação médica que circulam nas redes sociais, e a publicidade enganosa a pseudomedicamentos divulgadas na rádio e televisão (incluindo canais públicos que pagamos com os nossos impostos). Infelizmente, todos os dias ou, em quase todos, na comunicação social, assistimos a informação deturpada e manipulada, mensagens erradas, que geram medos e ódios infundados, falsas seguranças, desvirtuando e denegrindo a imagem do nosso Sistema Nacional de Saúde.
O investimento nesta área tem que continuar respeitando o doente/utente e os seus direitos, no entanto, não esquecendo nunca os seus deveres como cidadãos, e o respeito por nós médicos e pelo nosso trabalho.
Referências
[1] World Health Organization, Health promotion glossary, World Health Organization, Geneva (1998) [2] PLANO DE AÇÃO | LITERACIA EM SAÚDE – PORTUGAL 2019-2021 [3] Health education as social policy, Scott K.Simonds, Dr. P.H. 1974 [4] Kickbusch I. Health literacy: addressing the health and education divide. Health Promot Int. 2001;16(3):289-97. [5] Espanha, R., Ávila, P., & Mendes, R. V. (2016). Literacia em Saúde em Portugal: relatório síntese. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.