Encerrou no sábado, 30 de setembro, a exposição “A dimensão imersiva”, que reúne fotografias estereoscópicas de há mais de cem anos da autoria do cirurgião Jorge Marçal da Silva. A par da exposição, o Arquivo Fotográfico Municipal de Lisboa editou um livro com o título: “Jorge Marçal da Silva: a dimensão imersiva”. Muito mais do que um catálogo, esta obra é o testemunho da dedicação de toda a família, nomeadamente do neto, o médico urologista, Manuel Mendes Silva que fez questão de mencionar os muitos contributos que tornaram possível chegarmos a esta nova partilha da obra de seu avô. Um dos pormenores deste caminho são os dois livros editados pela Ordem dos Médicos (ver foto).
Isabel Corda do Arquivo Fotográfico Municipal de Lisboa deu o mote para a sessão, mencionando os vários elementos da equipa, invisíveis mas essenciais, e o entusiasmo de todos que acompanhou o envolvimento e entusiasmo também da família do autor.
Durante a apresentação, o antropólogo Vitor Gens mencionou como procuraram respeitar integralmente a obra e o seu autor ao dar testemunho “de um tempo em que as fotos conferiam importância ao objeto identificado”. Referindo o prazer de trabalhar sobre “um espólio em muito bom estado” e o “privilégio que foi fruir da totalidade das imagens”, percebendo, em simultâneo, “o potencial”, a memória – mais do que de um médico ou de uma família – de um país. É essa memória que encontramos na fotografia estereoscópica feita por Jorge Marçal da Silva há mais de 100 anos.
Ana Rafael, técnica de conservação e restauro do Arquivo Fotográfico Municipal de Lisboa, deixou um agradecimento à família por ter doado este espólio tão rico quão interessante e que inclui além das fotos alguns objetos que estiveram também em exposição. “Esta doação permitiu partilhar o espólio com todas as pessoas que vieram ver a exposição” ou que adquiram agora o livro “Jorge Marçal da Silva: a dimensão imersiva”. Ana Rafael explicou as intervenções de limpeza e conservação do espólio que cuidadosamente foram feitas, procurando sempre “intervir o menos possível”, da “hidratação das madeiras” ao cuidado que foi preciso para que não se perdessem estes objetos para os xilófagos.
A curadora da exposição Sofia Castro explicou à assistência como esta “dimensão imersiva” é “apenas uma descoberta”. Sobre o intenso trabalho que culminou na exposição mas também neste livro, Sofia Castro explicou como toda a equipa sente que faz agora parte da família “Jorge Marçal da Silva passou a ser parte de nós”, referiu, explicando que, na sala desta apresentação, faltava uma pessoa apenas. “Aqui apenas sinto a falta de Jorge Marçal da Silva. Mas ele está aqui connosco”. “O rigor e a paixão [presente na vida e obra de Jorge Marçal da Silva] sente-se muito” e foi esses mesmos sentimentos que procuraram traduzir nesta exposição que era essencialmente de esteroscopia, mas não exclusivamente. “É mais inclusiva”, até porque “a esteroscopia exige mais tempo”, explicou. A curadora mencionou a importância do ponto de partida, “uma base de trabalho”, referindo-se “aos dois livros editados pela OM”. Também nesta intervenção houve um espaço de referência ao respeito com que foram tratadas as escolhas de Jorge Marçal da Silva que, por vezes, escolheu “retratar o seu tempo mesmo quando sacrificava a qualidade do efeito em termos de esteroscopia”. “Não queremos encenar um laboratório, mas queremos transmitir o sentimento”, enquadrou ao referir como foram incorporados no espaço da exposição alguns móveis que de facto pertenceram a Jorge Marçal da Silva, de quem elogiou amplamente “a atualidade da sua fotografia”.
Foi ainda mencionado como Jorge Marçal da Silva anotava ao pormenor o tempo, o espaço e o modo como fotografava, sinal de que queria ser cada vez melhor. E agora que termina a exposição, qual o futuro deste espólio? “Há muitos negativo por explorar, um universo por descobrir”, ou seja, outros estudos poderão vir a ser encetados. Com a exposição conseguiu-se gerar uma “dimensão de contacto direto”, permitindo a quem a visitou “entrar nesse mundo”. Agora temos também “um livro que é o objeto que vai permanecer, deste projeto muito maior” no qual se incorpora uma nota biográfica “especial porque é a visão do neto, Manuel Mendes Silva” de um avô que não chega a conhecer mas com o qual sente e tem afinidade, nomeadamente nos valores e princípios. Neste livro podemos descobrir registos que irão de 1906 a 1928 – todos os anos estão representados na obra de Jorge Marçal da Silva, menos 1918, talvez por causa da guerra mundial, mas não há certezas. “Nas exposições o que deve ter relevo é o autor e a sua obra” por isso, é este o momento de enaltecer “o trabalho fundamental da equipa que se manteve invisível” mas sem a qual nada disto teria sido possível, e não teríamos este testemunho de uma época. “A fotografia é uma representação da realidade”.