Autora: Rita Oliveira, Médica Interna do 4º ano de Formação Específica em MGF (UCSP B Chaves 1)
Mais um dia de trabalho, olhamos para a agenda do dia e lá observamos de novo o Sr. Joaquim. Pensamos nós, “mas o que será que o traz cá hoje?”.
Infelizmente, verificamos na nossa prática clínica, um grupo de doentes que vem “quase diariamente” solicitar cuidados. Muitas vezes, a “olho cru e nu” definimos esses doentes como os repetidos, em gíria, tendo por base a perspetiva subjetiva do profissional de saúde. Os termos hiperfrequentadores ou hiperutilizadores são, sem sombra de dúvida, os termos técnicos a aplicar, além de ainda existir uma grande heterogeneidade na sua definição. Existem autores que definem este grupo como os 3% de doentes com maior número de consultas médicas, que ocupam 15% de tempo despendido, ou que recorrem mais que uma dezena de vezes a episódios de urgência anuais. No entanto, a definição mais consensual e cada vez mais utilizada foca os 10% de doentes mais utilizadores de consultas num dado período de tempo.
Este grupo de doentes é responsável pelo gasto de uma elevada percentagem de tempo ao Médico de Família, bem como por um grande número de prescrições e de referenciações para outros níveis de cuidados, levando a um impacto económico, humano e social significativo.
Da prática clínica, deduzimos, de uma forma muito linear, que muitos destes doentes apresentam uma grande carga de morbilidade, acarretando um acompanhamento e vigilância mais estreito. O envelhecimento da população e desertificação de regiões interiores do país conduzem a um crescente isolamento social e consequentemente a uma forte componente psicológica, emocional e social que se reflete na procura excessiva de cuidados, diria mesmo atenção. Face à conjetura atual do país, nomeadamente nas desigualdades socioeconómicas, espelhadas na nossa sociedade, o baixo nível socioeconómico e o desemprego associam-se indiscutivelmente a um consumo excessivo de cuidados de saúde. As isenções subsequentes são também uma porta de entrada fácil na procura de cuidados. A falta de literacia está inteiramente ligada à procura de cuidados, nomeadamente na procura de explicações da doença, auxílio na gestão da terapêutica e procura de explicação para as crenças e mitos.
Devemos estar atentos a este fenómeno como profissionais de saúde, na medida de tentar objetivar a causa deste aumento de procura de cuidados, se é transitório e justificado por algum fator precipitante (doença aguda, crises do ciclo de vida, mudanças de suporte social, stress social ou laboral, disfunção familiar, somatização, carência emocional, acidentes, media) ou se é persistente e aparentemente injustificado. Este ato tem repercussões quer a nível do profissional, mas também do doente e sistema de saúde. Ora vejamos, para o profissional de saúde, este tipo de doente, é fonte de stress, frustração e burnout. Levando a investigações exaustivas e improdutivas geradoras de iatrogenia, provocando ainda mais confusão e ansiedade ao doente. Tal facto, irá consequentemente acarretar mais custos para o sistema de saúde. Assim, é muito importante o conhecimento destes doentes, de forma a permitir delinear estratégias que conduzam a uma utilização de cuidados de saúde com melhor relação custo-efetividade.