A Ordem dos Médicos foi confrontada com a emissão de uma peça na estação televisiva SIC que, além de transmitir informação falaciosa, merece o nosso repúdio por dois motivos principais:
A peça coloca propositadamente em aparente confronto duas declarações feitas pelo bastonário sobre as competências da Ordem dos Médicos para realizar auditorias, sem sequer as contextualizar, e omitindo mesmo que, no primeiro caso, em dezembro, a afirmação foi proferida no Parlamento a propósito da clínica onde foram feitas as ecografias do bebé Rodrigo e que, no segundo caso, em agosto, estávamos perante o processo do Lar de Reguengos de Monsaraz;
O autor da peça nunca confrontou o bastonário com a suposta contradição encontrada, numa atitude de má-fé que impediu um esclarecimento que evitaria a clarificação que agora enviamos;
Assim, cumpre-nos agora explicar as diferenças entre o caso que motivou a audição no Parlamento sobre o bebé Rodrigo e o caso de Reguengos de Monsaraz. Na primeira situação, o bastonário referia-se a auditorias sistemáticas a clínicas ou outros estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde (sem a existência de queixas específicas), de caráter inspetivo ou fiscalizador, e com consequências jurídicas, que extravasam o âmbito das competências da Ordem dos Médicos, ainda mais perante uma convenção do Serviço Nacional de Saúde com uma clínica privada, em que as atribuições são especificamente das Administrações Regionais de Saúde ou da Administração Central do Sistema de Saúde nos casos nacionais. De salientar que em causa estão auditorias à clínica e não ao médico visado, já que no caso dos médicos as queixas seguem pela via disciplinar para o Conselho Disciplinar Regional respetivo. Sobre a clínica de Setúbal a direção da Ordem dos Médicos nada tinha recebido, o que não impediu que nessa mesma audição, no Parlamento, a Ordem dos Médicos reconhecesse que a resposta disciplinar falhou e que deveria ter sido mais célere.
Já as auditorias clínicas, como a que foi desencadeada ao lar na sequência de queixas consistentes e graves de médicos e de cidadãos, têm uma natureza jurídica diferente e estão previstas no Estatuto da Ordem dos Médicos, precisamente porque a Ordem dos Médicos é chamada a intervir após denúncias sobre matéria clínica numa entidade específica, entregando depois o relatório final às autoridades competentes, para o que entendam como conveniente.
Se a peça da SIC não tivesse isolado a declaração do bastonário de que “a Ordem dos Médicos gostava muito de fazer auditorias no serviço público ou privado e efetivamente não tem esse poder, função ou direito”, e tivesse mantido as frases que foram ditas antes, facilmente se perceberia que a Ordem dos Médicos respondia a uma pergunta sobre o cumprimento das regras das ecografias, dizendo “Quem tem de zelar pelo cumprimento destas regras? É quem tem capacidade inspetiva. Quem é que tem capacidade inspetiva quando existem convenções? São as ARS se forem locais, a ACSS se as convenções forem nacionais. As ARS quando têm convenções com setor privado ou social, segundo a legislação, têm de fiscalizar ou auditar. A OM não tem funções de auditoria e fiscalização nesta matéria. A OM gostaria muito de poder ter”.
Mais, se a SIC tivesse mantido as declarações do bastonário depois da frase que o jornalista optou por isolar, poderia ter ficado mais claro todo o contexto: “A OM gostava muito de fazer auditorias no serviço público ou privado e de ter esse poder. Não tem essa função e esse direito. Intervém quando é solicitada a intervir. Tenho queixas de todos os hospitais portugueses neste momento, mas a verdade é que nós intervimos quando nos comunicam que as coisas não estão bem. Eu não posso dizer que vou fazer uma auditoria ao serviço tal para verse estão a fazer os exames e cirurgias com qualidade”.
Lisboa, 2 de setembro de 2020