A Orquestra Médica Ibérica é composta por médicos e estudantes de medicina de Portugal e Espanha, que partilham a sua paixão pela música e medicina. Todos os anos reúnem-se para ensaiar e apresentar um concerto solidário cujos fundos irão reverter para instituições de solidariedade social que trabalham na área da saúde em prol de grupos mais desfavorecidos ou vulneráveis. A sua principal missão é criar pontes entre os profissionais de saúde da península ibérica, contribuindo através da ciência e da arte para a construção de um mundo mais justo e solidário.
O primeiro concerto da Orquestra Médica Ibérica realiza-se já este ano, no dia 11 de setembro, na Aula Magna da Reitoria da Universidade de Lisboa.
Para conhecer melhor o projeto, falámos com o seu diretor, Sebastião Castanheira Martins que, aliada à sua formação médica, manteve sempre uma intensa atividade musical. A sua motivação? “Mostrar que a música está viva entre os médicos”.
Como surgiu a Orquestra Médica Ibérica?
A ideia de formar uma orquestra médica surgiu logo quando entrei na faculdade, em 2013. Depois de conversar com vários colegas e na sequência do espetáculo musical da faculdade, apercebi-me que há de facto muitos médicos e estudantes de medicina que mantêm uma atividade musical com alguma frequência e com bastante qualidade. Assim surgiu a Orquestra Médica de Lisboa, que ainda hoje está ativa. Comecei a aperceber-me que, pelo mundo fora, há uma série de orquestras médicas que promovem a música como mecanismo de algum escape e evasão à vida profissional principal e também como forma de apoiar instituições que trabalham na área da saúde. Foi nesse sentido que surgiu a ideia de juntar médicos de Portugal e Espanha num concerto solidário anual, promovendo a atividade musical na comunidade médica, incutindo em todos nós o sentido humanista e social da nossa profissão, por acreditarmos que como médicos temos um papel essencial na promoção da igualdade, da justiça social e da luta pelo acesso universal a cuidados de saúde de qualidade, apoiando as populações mais desfavorecidas e vulneráveis. Neste momento temos mais de cento e cinquenta médicos inscritos na nossa base de dados.
Quais são os planos para o vosso próximo concerto e que instituição vão apoiar?
O nosso primeiro concerto vai ser no dia 11 de setembro, na Aula Magna da Reitoria da Universidade de Lisboa. Iremos tocar obras de Dvorak (Sinfonia novo mundo), Eurico Carrapatoso e Falla. Vamos apoiar a Associação Portuguesa contra a Leucemia. É uma associação que está neste momento a inaugurar uma casa em Lisboa para os familiares dos doentes que estão em tratamento, principalmente no IPO, e para os próprios doentes entre tratamentos, promovendo também a literacia na área das doenças oncológicas e hematológicas. Este é o nosso primeiro concerto. A partir daqui a ideia será fazer pelo menos um concerto por ano em várias cidades da península ibérica.
E ainda estão abertos a inscrições de médicos que tenham interesse em participar?
As inscrições para a orquestra mantém-se abertas. Uma vez inscritos na base de dados, os médicos e estudantes de medicina serão chamados para os diversos concertos daqui para a frente, entre os quais o de Lisboa. A inscrição deverá ser feita no site da orquestra (www.orquestramedicaiberica.com) e qualquer pessoa que tenha estudos musicais em determinado instrumento se pode inscrever.
Como é que a medicina e a música podem trazer um pouco mais de humanismo à própria sociedade civil?
Creio que historicamente isso sempre aconteceu, desde o renascimento até aos grandes médicos e humanistas que marcaram o último século, foram sempre pessoas muito apaixonadas pela arte, seja pela música, pela escrita e até pela pintura. Em Portugal temos vários exemplos disso, desde o Professor Abel Salazar, ao Miguel Torga, ao Fernando Namora, entre tantos outros. A Medicina aproxima-se da arte por tentar compreender e empatizar com o outro, compreendendo o sofrimento humano, e esta sensibilidade que nos é exigida na profissão, transportamo-la para um instrumento, para uma tela ou para um livro. Esta viagem sempre inacabada de descoberta dos nossos pacientes, da doença e do corpo, a curiosidade insaciável que muitos de nós sentimos extravasa para a arte também. Pela minha experiência, vejo que de facto esta “vida dupla” gera médicos muito mais felizes, completos, humanos e mais tranquilos no seu dia-a-dia. Entristece-me um pouco que em Portugal, dada a exigência do trabalho e daquilo que se pede aos médicos hoje em dia, seja em termos de carga de trabalho, como de exigência científica, que esta dinâmica de atividade e vida extra-laboral não seja promovida tanto como noutros países, como Reino Unido, ou na Alemanha, ou em França. É essencial que haja uma vida fora do hospital e, no fundo, também é isso que queremos semear na comunidade médica. O papel da orquestra é também ser um farol na criação de médicos mais plurais, demonstrando que hoje, mais do que nunca, para se poder cuidar dos outros da melhor forma, temos que cuidar de nós. Tenho a certeza que este e outros projetos serão parte desta mudança e isso trará benefícios para os hospitais, para os profissionais e, acima de tudo, para os cuidados que eles prestam aos doentes.
Como é que gere o seu tempo entre a medicina e a música?
Iniciei em janeiro o meu internato de formação específica em Psiquiatria, no Hospital Fernando Fonseca. Quando entrei na faculdade formei a Orquestra Médica de Lisboa por me ter apercebido que havia muita gente na Faculdade de Medicina de Lisboa, onde me formei, que tocava um instrumento e gostava de ter um espaço semanal onde pudesse desenvolver essa sua arte. Ao longo da faculdade, foi crescendo a ideia de que era possível não deixar de tocar um instrumento, não deixar de promover a atividade artística ou musical. Isso é uma coisa da qual me orgulho muito e acho que nas faculdades de medicina em todo o país isso tem vindo a ser cada vez mais incentivado: a possibilidade de manter a vida de estudante de medicina e a vida de músico. O objetivo agora é continuar essa demanda.
Quais são as suas bases musicais?
Estudei violino no conservatório, dos 4 aos 18 anos, fiz as outras cadeiras todas do conservatório e também estudei jazz no Hotclub. Na parte de direção de orquestra tive masterclasses com o maestro Jean Sébastien Béreau e com o maestro Nuno Coelho. Fundei a Orquestra Médica de Lisboa em 2014, que dirijo desde então, e agora vou também dirigir a Orquestra Médica Ibérica. Além disso, sou compositor, tendo composto a banda sonora de uma série e de uma curta-metragem e uma peça vencedora de menção honrosa no concurso “Quem é Calouste?”.
Que mensagem quer deixar para os médicos que tenham interesse em inscrever-se na Orquestra Médica Ibérica?
O essencial é que os médicos interessados se inscrevam mesmo, que não tenham receio de já não tocar há muito tempo. A entrada na orquestra não está sujeita a audições. Há sempre alguma seleção que terá de ser feita para existir um balanço na qualidade dos músicos, mas a ideia é que qualquer pessoa se possa juntar, desde que tenha o mínimo de estudos musicais. Portanto, inscrevam-se e juntem-se a nós. E caso não toquem um instrumento, venham ver os nossos concertos! Teremos todo o gosto em ter a sala cheia e mostrar que a música está viva entre os médicos, e recomenda-se!