O encerramento rotativo das urgências de obstetrícia de quatro dos maiores hospitais de Lisboa, durante o verão, é incompreensível e um sinal claro da falência da política do Ministério da Saúde. A Ordem dos Médicos solicitou à Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo uma reunião com caráter de urgência para esclarecer o que está a acontecer na Maternidade Alfredo da Costa, Hospital de Santa Maria, São Francisco de Xavier e Amadora-Sintra. Na próxima terça-feira, a Ordem dos Médicos vai também reunir com os diretores clínicos e de serviço de Ginecologia/Obstetrícia e de Neonatologia.
“Todas as situações de carência no Serviço Nacional de Saúde têm merecido a atenção da Ordem dos Médicos e a apresentação de propostas construtivas de melhoria. Ainda assim, a notícia hoje conhecida, sobre o encerramento rotativo de quatro maternidades, ultrapassa os limites do aceitável, e não constitui em si uma solução para um problema que se arrasta no tempo. Num país que enfrenta um grave problema demográfico e que precisa urgentemente de aumentar a natalidade, esta situação só contribui para um sentimento de insegurança indesejável”, lamenta o bastonário da Ordem dos Médicos.
De resto, o bastonário insiste que “é necessário existir um planeamento adequado das necessidades dos serviços, ter uma organização modelar e encontrar verdadeiras soluções para os problemas e não apenas insistir na improvisação em cima do joelho”. Miguel Guimarães lembra, também, que “estão em risco os indicadores de qualidade da saúde materno-infantil, que sempre fizeram de Portugal um exemplo em todo o mundo. Corremos o risco de reverter anos de trabalho positivo nesta área”. “As carências não são de hoje e é evidente que um serviço sem condições de segurança não deve funcionar, mas é urgente perceber o que aconteceu nos últimos meses para assistirmos a um colapso diário de vários serviços hospitalares”, insiste.
Para o bastonário, “estamos perante um remendo ou penso rápido que pode ter consequências ainda mais gravosas. O efeito dominó de tal medida pode ter consequências imprevisíveis na atividade cirúrgica, no internamento (com grávidas a ficarem em trabalho de parto em macas), na vigilância, nos tempos de espera, na taxa de cesarianas e, em última análise, na qualidade e segurança clínica dos cuidados prestados às grávidas e aos recém-nascidos. Muitos destes serviços de urgência têm carências significativas a vários níveis. Como poderão acomodar as grávidas de outras unidades que fecharem? Em macas sem a vigilância adequada? E onde? E como vão reforçar as equipas com os profissionais de saúde necessários?”, questiona, a título de exemplo.
A Ordem dos Médicos ainda esta semana, na sequência de problemas semelhantes em Beja e Portimão, avançou que tem inscritos 1400 especialistas em Ginecologia e Obstetrícia com menos de 70 anos, sendo que só 850 trabalham no SNS. Seriam necessários pelo menos mais 150 especialistas. “Temos tido concursos assimétricos, disfuncionais e insuficientes nas várias especialidades, mas muito concretamente na Ginecologia/Obstetrícia”, disse, na altura, o bastonário. Na mesma altura, Miguel Guimarães considerou urgente alterar os prazos e a forma como os concursos médicos são conduzidos. “Apesar de em 2019 o Ministério da Saúde já ter aberto dois concursos, a verdade é que o processo é feito de forma acrítica e em vez de servir as necessidades dos hospitais acaba por ser indutor de entropia. Atente-se ao exemplo do norte do país, onde só abriram cinco vagas para uma população de 3,7 milhões de pessoas”, reforça Miguel Guimarães. A Ordem dos Médicos considera que é imperiosa uma alteração no sentido de tornar mais previsível a altura e local em que as vagas serão abertas e que esse trabalho seja feito de forma consistente.
Download: 2019.06.20_NI – Efeito Temido na Saúde – crise nas urgências de obstetrícia