Podíamos ter feito mais e melhor pelos doentes não COVID, mesmo tendo em consideração que estávamos em plena pandemia?
Eu julgo que sim, porque, como acontece muitas vezes, quando somos confrontados com um problema novo e difícil, concentramo-nos de tal maneira nas tentativas de enfrentar e de resolver esse problema, que automaticamente a nossa atenção é saturada e esquecemos o resto. Mesmo reconhecendo que teríamos de reduzir as consultas presenciais, mesmo sabendo que os centros de saúde iam ficar assoberbados com o acompanhamento dos doentes, ao reconhecermos isso podíamos ter pensado em outras soluções – e havia. Uma das soluções que foi agora aqui discutida é naturalmente a telemedicina, porque podíamos ter absorvido outras especialidades que estavam mais libertas.
Eticamente falhámos, isto é, as autoridades e quem toma decisões ao mais alto nível?
Eu entendo que sim. Foram prevenidos, mas as vozes não chegam todas ao céu. Essas vozes existiram, mas no meio da azáfama e do afã, diz-se que depois vê-se… é postergado. Temos de ir ao essencial e o essencial eram as mortes [COVID-19]. Isso é verdade, mas não impede de encontrar outras pessoas com disponibilidade, que não estão diretamente implicadas no combate à pandemia e que podem ser extremamente úteis. Não digo que se pudesse resolver, mas pelo menos atenuar muito, e aqui o número conta.
Os médicos acabaram por ser confrontados com um sofrimento ético de forma mais forte. Que marcas é que isto pode deixar no exercício da profissão de um médico?
Muitos médicos tiveram sofrimento pessoal, tiveram sofrimento familiar… Conheço vários médicos que tiveram COVID-19, alguns dos quais ainda estão com consequências tardias, nomeadamente musculares e articulares, quase um ano depois. É evidente que não sabemos bem o que dizer a estas pessoas. Não podemos dizer “olhe paciência”. É por isso que defendo que deve ser uma doença profissional, porque estes médicos têm todo o direito a serem acompanhados, têm de ter horários especiais, por exemplo. O sofrimento psicológico também se deu porque muitos viram morrer pessoas que entendiam que não deviam morrer, ou porque eram pessoas conhecidas, doentes próprios deles, ou simplesmente porque achavam que se existissem meios adequados – o que aconteceu sobretudo no sul do país – que havia hipótese de atender ao que se passava.
Que mensagem final quer deixar à Ordem dos Médicos e ao Congresso?
Agrada-me muito o programa e a forma como decorreu. O programa é extremamente ambicioso, cobrindo praticamente todas as áreas em que era necessário haver uma intervenção da Ordem dos Médicos. É muito positiva a minha conceção, e foi corajoso o empenho de uma preparação em tempo tão curto, e até porque na realidade ainda estamos em tempo de pandemia.