Autor: Carolina Alexandra Batista dos Santos Tojal Rebelo, Médica Interna do 4º ano de Medicina Geral e Familiar na USF Espaço Saúde (ACES Porto Ocidental)
Resumo: Experiências precoces in útero e durante o aleitamento constituem oportunidades de exposição e aprendizagem de sabores, aumentando a familiarização e aceitação de vários alimentos no futuro. Melhorar a alimentação da mãe poderá influenciar positivamente os hábitos alimentares da criança, tendo o Médico de Família um papel preponderante no aconselhamento nutricional da grávida e da puérpera.
O tema da alimentação é recorrente na prática clínica de qualquer Médico de Família e surge nas diversas consultas do nosso dia-a-dia, inclusivamente nas consultas de Saúde Materna. Tenho-me apercebido da preocupação crescente das mães em saber se as suas escolhas e preferências alimentares terão influência na saúde e nas preferências alimentares dos seus bebés. Quantos de nós já ouviram questões como: “Será que o meu filho não vai gostar de fruta porque não como fruta com regularidade?”, “Durante a amamentação terei de aumentar a ingestão de determinados alimentos para ser mais fácil no futuro ele se habituar?”, “Se não lhe oferecer determinados alimentos nos primeiros meses de vida ele não vai gostar deles no futuro?”. Estas e muitas outras questões pertinentes fazem-me pensar que apesar de existirem documentos sobre a alimentação da criança nos primeiros meses de vida, são poucos os que abordam a influência da alimentação da grávida e da puérpera nas preferências nutricionais futuras dos filhos.
Desde há muito tempo se sabe que os meses de vida intrauterina e os primeiros anos de vida de uma criança vão determinar, em parte, a sua carga de doença ao longo da vida e as suas preferências nutricionais1. A questão que se coloca a seguir é: será que os futuros pais têm consciência disto?
A capacidade de experienciar sabores começa logo no útero, com o desenvolvimento do sistema gustativo e olfativo. É entre a 13ª e 15ª semana de gestação que o feto começa a percecionar sabores e cheiros no líquido amniótico, que é composto por sabores voláteis que derivam da alimentação materna. Tendo em conta o extenso desenvolvimento pré-natal destes sentidos, o recém-nascido é já sensível a sabores e odores mesmo antes do nascimento. É esta experiência inicial que servirá de base para o desenvolvimento contínuo das preferências alimentares ao longo da vida. Torna-se por isso fundamental abordar a alimentação materna numa fase precoce da gravidez, dotando a mãe de conhecimento e estratégias que lhe permitam fazer uma escolha consciente dos alimentos da sua dieta.
Numa era em que tanta importância se dá ao aleitamento materno, é essencial esclarecer a mãe sobre a sua alimentação nesta fase e o impacto que terá nas preferências e hábitos alimentares do seu filho. Tal como acontece com o líquido amniótico, também o leite materno contém sabores e odores provenientes da dieta da mãe (exemplo: alho, cenoura, álcool…). Vários estudos experimentais têm sugerido que esses sabores, quando presentes de forma repetida, influenciam as preferências e comportamentos alimentares futuras, após o nascimento e durante a diversificação alimentar. Um estudo demonstrou que filhos de mães que consumiram sumo de cenoura durante a amamentação (quando comparados com mães que evitaram esse consumo) respondiam mais favoravelmente ao sabor da cenoura (maior quantidade ingerida e menos expressões faciais negativas) quando se iniciou a diversificação alimentar2. Num outro estudo, crianças amamentadas aceitavam melhor pêssegos que latentes alimentados com leite de fórmula, o que se correlacionou com a maior regularidade de ingestão de fruta pelas mães durante a lactação3. Ao contrário do leite de fórmula, o sabor do leite materno vai-se alterando consoante a alimentação da mãe. É assim fácil de perceber que a experiência sensorial variada dos bebés sob leite materno parece prepará-los melhor para os novos sabores.
Do exposto percebemos que mães que consomem uma variedade de alimentos saudáveis durante a gravidez e amamentação oferecem aos seus filhos a oportunidade de aprender a gostar desses sabores, o que por sua vez facilita a transição para alimentos saudáveis durante a diversificação alimentar e preparará o terreno para hábitos alimentares saudáveis para toda a vida.
Melhorar a alimentação da mãe poderá, assim, influenciar positivamente os hábitos alimentares da criança, tendo o Médico de Família um papel fundamental no aconselhamento nutricional da grávida e da puérpera, reforçando os benefícios do aleitamento materno e de uma alimentação saudável e variada durante a gravidez e amamentação.
Referências Bibliográficas:
- Carla Rego et al. Alimentação Saudável dos 0 aos 6 anos – Linhas de Orientação para Profissionais e Educadores. PNPAS, 2019
- Mennella, JA, Jagnow, CP, Beauchamp GK (2001). Prenatal and postnatal flavor learning by human infants. Pediatrics 107, E88–E93.
- Forestell CA, Mennella JA (2007). Early determinants of fruit and vegetable acceptance. Pediatrics 120, 1247-54.
- Ventura AK, Worobey J (2013). Early Influences on the Development of Food Preferences. Current Biology, 23(9), R401-R408.
- Harris G, Coulthard H (2016). Early Eating Behaviours and Food Acceptance Revisited: Breastfeeding and Introduction of Complementary Foods as Predictive of Food Acceptance. Current Obesity Reports, 5(1), 113-120.