Parte do programa de cinco dias da 8ª Conferência de Valor da APAH, cujo mote transversal foi “inovar e liderar na incerteza”, assistiu-se no dia 22 de outubro de 2020 a uma sessão de diplomacia da saúde, coordenada por Francisco Pavão, do Gabinete Diplomacia da Saúde da Ordem dos Médicos, e Delfim Rodrigues, da APAH – Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares.
Numa reunião em que se falou da retoma pós COVID-19, de aprendizagem de lições, cooperação e mais valias de Portugal na área da diplomacia e da criação de valor em saúde, no contexto europeu, mas sem esquecer a nossa tradicional ligação aos Países de Língua Oficial Portuguesa, assistiu-se à intervenção de Adalberto Campos Fernandes (Escola Nacional de Saúde Pública), da Embaixadora Ana Paula Zacarias (SE Assuntos Europeus), do Embaixador António Martins da Cruz e do eurodeputado Manuel Pizarro, sob moderação da professora e investigadora universitária Ana Isabel Xavier.
“Esta pandemia acelerou as tendências e tornou mais rápidas as alterações, tornou mais claras as fragilidades e obriga a adaptação caso a caso segundo as circunstâncias”, começou por referir o Embaixador António Martins da Cruz. Além de fazer uma análise política global, Martins da Cruz referiu o velho continente especificando o agravamento da crise económica, social e política na Europa, num contexto em que cada país estava a lutar com os seus resultados e em que se notou a falta de coordenação europeia face aos desafios geopolíticos. Lamentando que a nível europeu não tenha havido combate à desinformação, recordou que todas as crises são uma oportunidade, e que esta não é exceção. É necessário que os governos reconheçam que não tinham cenários para responder a esta pandemia e que deram uma resposta casuística. As consequências da pandemia para Portugal incluíram uma queda do PIB de 10%, sendo a nossa evolução económica naturalmente condicionada pela situação na Europa, o nosso principal mercado tradicional de exportação.
O eurodeputado Manuel Pizarro, tendo por referência o processo de construção da União Europeia (UE), referiu o que ainda é necessário alcançar em termos de projeto europeu. Na saúde, a garantia que deixou foi que a UE está ciente da sua importância fulcral. “Não há reunião das instituições europeias em que o tema da saúde não seja um tema central”, explicitou. Sobre medidas de relevo, referiu a criação de uma reserva europeia de equipamento médico – recordamos que em 19 de março, por exemplo, a Comissão Europeia criou rescEU, dotando-se de capacidades para constituir reservas estratégicas de material médico de emergência, como ventiladores, máscaras de proteção, luvas e material de laboratório, para ajudar os países da UE a fazerem face à pandemia de coronavírus.
Manuel Pizarro recordou ainda o estímulo que foi feito à investigação, em financiamento direto para procurar acelerar a produção de uma vacina e a distribuição de medicamentos, intervenção na proteção do emprego e proteção social, bem como o apoio a países terceiros,
A COVID-19 colocou a saúde no centro da reflexão europeia e, embora essa não seja uma área expressa nos Tratados, 75% dos europeus querem mais intervenção na área da saúde, explicou o eurodeputado. Com Portugal a assumir a presidência da União no primeiro semestre de 2021, Manuel Pizarro considera que “seria importante avançar nesta dimensão e ter uma União Europeia da Saúde”, com aprofundamento do pilar dos direitos sociais. Manuel Pizarro considera que se deu este ano uma mudança de paradigma em que “mais nenhum decisor poderá deixar de compreender que a saúde está na base de tudo” e que tem que ter “uma alocação de recursos adequada”. Antes falava-se, mas “agora todos compreendemos mesmo: se não tivermos saúde, não há mais nada que tenha relevo prático!”.
Portugal tem capacidades extraordinárias
A Secretária de Estado Ana Paula Zacarias defendeu o reforço do papel das agências europeias e a criação da nova agência de investigação biomédica e a necessidade de “reforçar a capacidade de resposta à crise”, nomeadamente trabalhando no quadro do orçamento comunitário para a criação de reservas de profissionais de saúde a que se possa aceder em momentos de crise. Tornar os medicamentos mais acessíveis e promover a investigação farmacêutica seriam medidas que preconiza num contexto da aplicação de políticas públicas alicerçadas na ciência e investigação. Para a presidência portuguesa elencou três prioridades:
– Recuperação económica e resiliência;
– Sustentabilidade (numa Europa que use inovação e digitalização para se tornar mais ecológica);
– Proteção social como o pilar principal da presidência portuguesa.
“Sem dúvida que temos que continuar a elevar a cooperação nos países da CPLP”, paralelamente ao trabalho dentro da Europa, frisou, defendendo um espírito de verdadeira troca de experiências. Concluiu defendendo que Portugal tem capacidades extraordinárias e que temos valor para acrescentar a vários projetos com outros países, referindo apenas a título de exemplo a cooperação entre escolas portuguesas e alemãs na área da saúde.
Os vírus não têm respeito pelos acordos de Schengen
Adalberto Campos Fernandes referiu-se ao contexto desta “crise económica e sanitária sem precedentes” como uma demonstração de que saúde tem precedência até sobre os assuntos de estabilidade económica e mercados. O ex-ministro da Saúde defendeu que, por isso mesmo, o pilar social orientado para o desenvolvimento deve sobrepor-se à dimensão meramente económica. A sua expectativa é que possamos olhar para a saúde numa perspetiva mais ampla e que a União Europeia da Saúde possa ser uma realidade já na próxima revisão dos Tratados. E porque, como referiu, “os vírus não têm respeito pelos acordos de Schengen”, a Saúde Pública torna-se um instrumento de segurança nacional e de defesa dos países além de defesa das pessoas.
Portugal também tem que fazer valer a sua matriz histórica e geográfica e estar alinhado com os PALOP, transpondo a cooperação europeia para a cooperação com África, frisou.
Defensor de uma “Europa das pessoas”, robusta, com convergência, cooperação e unidade, Adalberto Campos Fernandes deixou um aviso: “a pior coisa que pode acontecer é não aprendermos com o passado e com os erros”, encerrando com o desejo de que a presidência portuguesa fique para a história como motor dessa transformação.
No final, ficam vários consensos: importância de mais Saúde no contexto da União Europeia, mas também dos países com os quais temos tradicionalmente relações de amizade fortes – designadamente os PALOP -, centralidade da saúde em todas as políticas, sua prevalência até sobre a economia, importância global da diplomacia da saúde, saúde como setor que pode trazer valor e prestígio para o país…
Delfim Rodrigues em fase de encerramento, lembrou que “somos os filhos dos sobreviventes das pandemias anteriores; é por isso que aqui estamos”, num tom otimista que reforça a certeza de que é preciso continuar a refletir sobre a retoma pós COVID-19.
Francisco Pavão encerrou a sessão, frisando como enquadramento que saúde global e diplomacia são temas de interesse quer para a atividade académica, para os profissionais de saúde, para gestores e administradores hospitalares, juristas, decisores políticos, etc. reforçando a importância de alargar o debate de estratégias conjuntas que garantam que a saúde faz parte de todas as políticas. Olhando para a pandemia como uma oportunidade, concordou com alguns dos oradores frisando que este é um tempo de grande oportunidade para que a saúde passe de facto a ser central, intuito para o qual a OM – e a APAH – desejam continuar a contribuir, nomeadamente através da promoção da diplomacia da saúde.