Recentemente, durante a apresentação da Estrutura de Missão para a Sustentabilidade do Programa Orçamental da Saúde, o ministro da Saúde afirmou que “é evidente que existe má gestão na saúde, como em outras áreas setoriais”.
O ministro da Saúde veio publicamente reconhecer de forma explícita aquilo que tem negado de forma reiterada: a Saúde está capturada pelas Finanças. E quem sofre são as pessoas, os doentes. Ao secundar a afirmação do ministro das Finanças de que há “má gestão na saúde”, o ministro da Saúde vem dar razão às críticas da Ordem dos Médicos.
E a má gestão começa no capital humano. Falta de respeito e de humanismo para com os profissionais de saúde e os doentes. Investem-se centenas de milhares de euros na formação de jovens médicos especialistas e demora-se quase um ano a lançar o concurso para a sua contratação, o que na prática significa abrir-lhes a porta de saída para fora do SNS. Gastam-se num ano mais de cem milhões de euros na contratação de serviços médicos através de empresas prestadoras de serviços em vez de contratar diretamente os médicos para os quadros do SNS gerando uma poupança de vários milhões de euros e uma capacidade de resposta mais adequada às necessidades dos portugueses.
A má gestão existe ainda quando se gastam centenas de milhões de euros na contratualização externa de meios complementares de diagnóstico e terapêutica, enquanto nas unidades do SNS os equipamentos estão inutilizados por falta de manutenção ou por terem ultrapassado o seu tempo útil de vida.
A má gestão também abrange a falta de investimento em melhores condições de trabalho, nomeadamente a nível das estruturas físicas e equipamentos, que permitiriam uma resposta mais qualificada e mais eficaz.
Mas também podemos analisar a situação por outro prisma. Será que o ministro da Saúde se refere aos resultados publicados pela ACSS, relativos aos hospitais portugueses, que mostram de forma clara a incapacidade de ultrapassar o inultrapassável: o subfinanciamento crónico, desequilibrado e desigual das unidades hospitalares associado a uma exigência de resultados impossíveis de alcançar cumprindo os orçamentos previstos. Ou será que se refere à castração imposta pelo poder central na flexibilidade da gestão que poderia permitir uma resposta mais adequada das administrações hospitalares às necessidades das populações que servem? Ou será que se refere às cativações impostas pelas Finanças?
O problema da falência técnica dos hospitais e o “descontrolo” das dívidas hospitalares é da responsabilidade dos ministros das Finanças e da Saúde, na medida em que o que verdadeiramente está em causa é uma questão de subfinanciamento crónico do SNS e não propriamente resultante de uma má gestão direta das administrações hospitalares. A despesa pública em saúde tem vindo a diminuir o seu peso no PIB: 6,9% em 2010 para 5,2% em 2018 (valor estimado). Grande parte dos hospitais EPE apresentam consistentemente resultados operacionais e resultados líquidos negativos, o que leva à sua descapitalização e “falência técnica”, de que o crescente aumento de dívidas em atraso e falta de investimento em equipamentos são alguns dos sintomas.
Estes dados parecem demonstrar que os desafios relacionados com a sustentabilidade do SNS estarão mais ligados à falta de financiamento do que aos ganhos potenciais que se esperam de melhores práticas de gestão das instituições. A observação de que, de forma consistente, as receitas transferidas do OE para o SNS são sempre abaixo das despesas efetivas é revelador de uma má prática, que poderá ter como objetivo pressionar as instituições para o controlo da despesa.
Assim não é de estranhar que a capacidade de resposta das unidades de saúde não consiga acompanhar as necessidades dos doentes.
Senhor ministro da Saúde: obrigado por reconhecer o óbvio! Esperemos agora que o ministro das Finanças o ajude a melhorar a gestão do SNS sem com isso continuar a estrangular a saúde dos portugueses.
Miguel Guimarães
Bastonário da Ordem dos Médicos
‘Má gestão na Saúde’ (Artigo de Opinião do Bastonário da Ordem dos Médicos)