Autor: Manuela Cristiana Oliveira Araújo, Médica Interna de Medicina Geral e Familiar na USF Pró-Saúde (ACeS Cávado II Gerês/Cabreira)
A comunicação de más notícias é um dos aspetos que mais provoca constrangimentos nos profissionais de saúde, pois implica não só uma mudança negativa nas expectativas de vida da pessoa a quem se destina e aos seus familiares, como também aumenta o stress inerente ao sofrimento com o qual se lida (Lizarra 2007).
Frequentemente, o fenómeno de “conspiração do silêncio” decorre de um pedido de ocultação de informação relacionada com o diagnóstico e/ou prognóstico de uma doença. Tem como objetivo fundamental proteger o outro, sobretudo quando este é visto como vulnerável.
Mas quais são as verdadeiras implicações desta forma de conspiração? Têm sido vários os autores a descrever as implicações da ocultação de más notícias ou de uma comunicação tardia das mesmas. Como consequências destacam-se os momentos de tensão vividos pelos portadores das más notícias, a impossibilidade de se gerarem discussões abertas sobre o futuro e de assimilar as informações recebidas pelo próprio doente, o encurtamento do tempo de preparação para o luto, e em alguns casos o sentimento de falta de honestidade após a morte do ente querido, relativo aos familiares. O não falar pode ainda enfraquecer e estreitar laços, causar isolamento, transmitir indiferença e hostilidade, quando na verdade está a denunciar justamente o contrário, um silêncio velado, um fazer de conta que está tudo bem.
Na realidade, a maioria das vezes o paciente sabe que algo se passa, o que implica que o doente viva a situação sozinho e que lhe esteja a ser negada a oportunidade de se expressar devidamente. Além disso, a ausência de informação ou a comunicação deficiente conduz o paciente a um sentimento de insegurança em relação à doença e ao prognóstico da mesma, assim como a uma insegurança na sua relação com o médico.
São vários os motivos apontados para se dar a informação completa ao paciente e família, por exemplo, possibilitar a tomada de decisões a respeito de tratamentos ou temas familiares, dar a oportunidade de dividir o sofrimento neste período, assim como de viver o processo de forma significativa, ações que se tornam impossíveis quando existe o pacto do silêncio. Outros motivos também referidos passam pelo efeito de melhorar a relação médico paciente, humanizando o tratamento, e melhorar a sensação de autocontrolo por parte de pacientes e familiares.
E como podem os profissionais de saúde diminuir o fenómeno de “conspiração do silêncio”? Seguindo um princípio ético da medicina, a informação sobre a patologia do paciente só deve ser transmitida à família com o consentimento deste. Contudo, frequentemente são os familiares os primeiros a serem confrontados com as más notícias, e os médicos consequentemente confrontados com o pedido de “conspiração do silêncio”. Neste caso, não pode ser ignorada a premissa de que “o dever do médico é para com o doente”, não sendo, no entanto, conveniente a oposição aos familiares. Assim o médico deve seguir o conceito de não impor a verdade ao doente se este não a quiser saber, mas não deve negar a verdade se este o questionar. Aplicando o princípio da honestidade, mostra-se importante tranquilizar a família afirmando que nada será dito ao paciente que ele não queira saber. São exceções a este princípio, situações em que apesar de terem sido dadas ao paciente todas as oportunidades de recolher dados sobre a sua doença, este não o fizer, ou quando se verifique incapacidade do doente de receber ou entender o conteúdo da informação. Neste processo, deve ser demostrado aos familiares que a tensão causada pela “conspiração do silêncio” pode, a longo prazo, levar a danos emocionais importantes em todos os envolvidos. No que respeita especificamente ao doente, a opção pelo silêncio, poderá progressivamente implicar maior isolamento e dificuldade em falar abertamente sobre aquilo que para ele é fundamental.
Outro dos fatores que dificulta e perpetua a “conspiração do silêncio” é a comunicação inadequada de más notícias por parte dos médicos e outros profissionais de saúde. A comunicação é vista como um instrumento importante e deve ser aperfeiçoada. A habilidade para comunicar pode diminuir o impacto emocional, permitindo que o paciente e a família assimilem a nova realidade. Passar a informação de más notícias sem pressa, assumindo que está em curso um processo de comunicação poderá ser uma estratégia a adotar e, como tal neste processo de comunicação é importante que o paciente e a sua família tenham a oportunidade de fazer perguntas e tirar dúvidas, sendo necessário adaptar sempre a informação em quantidade e qualidade e de acordo com as emoções do paciente e da família.
Com vista a quebrar barreiras de comunicação e a fomentar a transparência nos cuidados prestados pelos profissionais de saúde, um maior investimento em formação na área da comunicação de más notícias poderá representar uma estratégia fundamental para o desenvolvimento de competências nesta área.
Bibliografia
Volles C, et al. A conspiração do silêncio no ambiente hospitalar: quando o não falar faz barulho. Rev. SBPH 2012; volume 15 n.1; Jan/jun.
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