Em declarações à imprensa, o Senhor Presidente da República sugeriu, que, em regra, a lei não permite o uso de escusas de responsabilidade. Para o bastonário da Ordem dos Médicos, as declarações do Senhor Presidente da República, ao negarem a utilização de um mecanismo jurídico previsto no próprio texto da Constituição da República Portuguesa, não contribuem para a defesa do SNS, nem defendem os doentes. “Na verdade, estas afirmações, que lamentamos, podem contribuir para agravar a atual crise que se vive na saúde, levando os médicos a abandonar o SNS como única forma de se salvaguardarem das condições de exercício da sua atividade”.
“Respeitamos o Senhor Presidente da República e a sua atuação, mas não podemos deixar de estranhar que faça declarações menos claras sobre matérias que estão protegidas pela lei e pelo artigo 271.º da Constituição, provocando um evitável alarme junto dos médicos e confundindo a população portuguesa pela suposta ausência de suporte jurídico do que é, e do que implica, uma escusa de responsabilidade de um médico”, considera o bastonário.
Miguel Guimarães explicita que existem motivos essenciais que podem levar os médicos a apresentar escusas de responsabilidade. Motivos que se interligam na maior parte das vezes. “Proteger os doentes denunciando às hierarquias e às autoridades competentes, de forma objetiva, as condições inadequadas à prática da medicina que podem colocar em causa a segurança clínica, seja por insuficiência de recursos materiais ou por escassez de recursos humanos, entre outras situações”.
“Em nenhuma circunstância um médico deixa de observar as boas práticas médicas pelo facto de ter apresentado uma escusa de responsabilidade”, frisa o bastonário. No entanto, é um dever profissional, ético e deontológico do médico alertar quando não estão reunidas as condições necessárias para o exercício da sua profissão, no sentido de proteger os doentes.
De resto, os médicos quando tomam a decisão de apresentar uma escusa de responsabilidade estão a dar um “grito de alerta” à tutela através das administrações das unidades de saúde. Nestas ocasiões, os médicos explicitam, de forma clara e concreta, quais são os motivos da escusa, não sendo, de todo, circunstâncias abstratas que as justificam. “E se, por causa dos motivos invocados, ocorrerem danos, a responsabilidade disciplinar, penal e civil dos médicos pode ser mitigada ou até excluída conforme refere a lei”.
O representante dos médicos lamenta que continuem a faltar condições básicas essenciais e estruturais no Serviço Nacional de Saúde e que existam cada vez mais médicos a ter de recorrer a esta forma de salvaguarda da sua atuação. “Os médicos continuam a trabalhar, mesmo em condições que não são adequadas, porque não querem que os doentes fiquem sem acesso aos cuidados de saúde de que necessitam”. “Isso é de louvar!”, destacou, antes de sublinhar que a alternativa seria os médicos recorrerem aos tribunais obtendo sentenças que os desonerassem, por exemplo, da prestação de serviço de urgência assim que atingissem o limite definido por lei das 150 horas extraordinárias anuais, como sucede com qualquer outro trabalhador em Portugal. “Se tal acontecesse de forma massiva, os problemas atuais do SNS tornar-se-iam incontroláveis”.
“Neste momento, os médicos e os profissionais de saúde suportam todo o sistema público de saúde às costas”, afirma o bastonário. A falta de condições de trabalho destes profissionais deveria gerar um grande nível de preocupação e de solidariedade de todos os nossos decisores políticos e não o contrário.
“A missão dos médicos é salvar vidas e é isso que fazemos todos os dias”, reforçou Miguel Guimarães. A denúncia de más condições de trabalho visa melhorar a saúde de todos nós. “Deixo, assim, o apelo ao Senhor Presidente da República para que ajude a reforçar e transformar o SNS. Que ajude a construir pontes que possam reforçar a motivação e grau de satisfação de quem todos os dias faz acontecer o SNS. O número de médicos especialistas que tem optado por trabalhar fora do SNS nunca foi tão elevado. E neste momento crítico é necessária prudência. Nunca devemos esquecer que a pressão brutal e desmedida exercida sobre os médicos origina a sua saída do SNS.”.
Lisboa, 12 de agosto de 2022