A Ordem dos Médicos, reunida extraordinariamente no domingo, dia 23 de agosto, na sequência da tomada de conhecimento de declarações vindas a público relacionadas com a postura de médicos no caso do Lar de Reguengos, deliberou emitir a seguinte declaração:
– A Ordem dos Médicos (OM) é uma associação pública profissional com atribuições delegadas pela Assembleia da República, através da Lei n.º 117/2015, de 31 de Agosto, que publica o Estatuto da Ordem dos Médicos. A análise do departamento jurídico da Ordem dos Médicos é clara e transparente no que diz respeito às atribuições e competências que permitem à Ordem dos Médicos realizar auditorias aos cuidados clínicos prestados em unidades de saúde ou outras. A OM deve “contribuir para a defesa da saúde dos cidadãos e dos direitos dos doentes”, apenas estando expressamente proibida de “exercer ou de participar em atividades de natureza sindical ou que se relacionem com a regulação das relações económicas ou profissionais dos seus membros”. O EOM contempla um Conselho Nacional para a Auditoria e Qualidade com competência para realizar auditorias da qualidade no território nacional, como foi o caso da auditoria aos cuidados clínicos prestados aos utentes do Lar da Fundação Maria Inácia Vogado Perdigão Silva (FMIVPS), em Reguengos de Monsaraz, uma instituição privada;
– A Ordem dos Médicos, em vários domínios, como é o caso do internato médico, do licenciamento de unidades de saúde, das convenções de saúde, do exercício da ação disciplinar, é solicitada a colaborar com a administração pública como auditora de atos médicos, de procedimentos, e de serviços. São inúmeros os processos em que gratuitamente e até a sua expensas a Ordem dos Médicos colabora com os hospitais e unidades do Serviço Nacional de Saúde, com as Administrações Regionais de Saúde, com a Entidade Reguladora de Saúde, com a Direção Geral da Saúde e com o próprio Ministério da Saúde, sem que a sua competência de auditoria tenha sido questionada, ou sequer posta em causa a qualidade com que a mesma é levada a cabo;
A tentativa que é feita de colocar em causa – com razões de índole formal às quais a Ordem dos Médicos não reconhece validade – um relatório só porque o mesmo evidencia uma realidade que a alguns incómoda, deve merecer por parte dos Portugueses reflexão;
– Importa referir que a auditoria mencionada surgiu depois de várias queixas, alertas e intervenções por parte da sub-região de Évora da OM, do Conselho Regional do Sul e do Bastonário, sobre a falência do cumprimento das normas emitidas pela DGS na prestação de cuidados de saúde aos idosos do Lar da FMIVPS, que foram ignoradas pelas autoridades competentes. Queremos salientar que apesar da falta de condições no lar e no pavilhão para onde mais tarde foram transferidos os doentes, tal como constatado na auditoria realizada, os médicos de família nunca se recusaram a colaborar e continuaram a cuidar e tratar dos idosos doentes, estando o seu trabalho devidamente documentado. Apesar das ignóbeis pressões e ameaças, os médicos não abdicaram de continuar o seu trabalho de cuidar dos doentes nem do dever de denúncia perante as graves insuficiências verificadas no terreno;
– A excelência técnica, a dedicação, o humanismo e a solidariedade dos médicos acompanham-nos desde o Juramento de Hipócrates, altura em que juramos colocar a saúde e bem-estar do doente nas nossas primeiras preocupações, e ao longo de toda a carreira, independentemente de trabalharmos no setor público, social ou privado. Consagramos a vida ao serviço da humanidade, independentemente de ciclos políticos. Não abdicamos, no entanto, de lutar por condições de trabalho que dignifiquem os nossos doentes. Colocamos o mesmo respeito pela vida humana nos milhões de consultas, exames e cirurgias que fazemos todos os dias;
– E esta é a corajosa e humanista posição dos médicos que contrasta com a atitude negativa de alguns dirigentes políticos;
– Os últimos meses, com a pandemia da COVID-19, confirmaram a qualidade dos médicos Portugueses e a sua coragem e espírito de sacrifício, arriscando a sua vida para salvar os doentes, perante um vírus novo, mesmo com a inicial incompreensível falta de equipamentos de proteção individual e outros meios adequados. Deixámos para trás as nossas famílias e conseguimos colocar Portugal como um bom exemplo no tratamento a estes doentes, com uma taxa de letalidade que compara muito bem a nível internacional. Mas também não esquecemos os nossos doentes de sempre, os doentes não COVID, aqueles que fomos obrigados a deixar para trás por decisão da ministra da Saúde. E temos de forma persistente insistido na importância de retomarmos toda a atividade clínica para não deixar mais ninguém para trás;
– A atuação da Ordem dos Médicos tem-se pautado sempre pela transparência e por um espírito de colaboração. Mesmo sem resposta a pedidos de reunião com a tutela, temos procurado ser agentes construtivos e emitido recomendações que melhorem o sistema e a resposta nacional;
Declarações ofensivas para todos os médicos e para os doentes que precisam de nós, sobretudo os mais vulneráveis, são um mau serviço dos governantes ao país, e em nada contribuem para a necessária união num momento de pandemia. Estas afirmações, independentemente de serem proferidas de forma pública ou em privado, traduzem um estado de espírito ofensivo para os médicos e um sentimento negativo por uma classe profissional, em sentido totalmente oposto ao que os portugueses expressaram em muitos momentos ao colocar os profissionais de saúde no topo dos que mais contribuíram para o combate à pandemia e que permitiram colocar Portugal como um exemplo;
– A Ordem dos Médicos solicitou ontem, com caráter de urgência, uma audiência ao Sr. Primeiro-Ministro;
– O Bastonário da Ordem dos Médicos convocou com caráter de urgência o Fórum Médico, composto por todas as estruturas nacionais representativas dos médicos, reunião que vai acontecer hoje, segunda-feira, para honrar a coragem e a qualidade dos médicos e implementar todas as medidas que forem necessárias, a nível nacional e internacional, para respeitar e valorizar os médicos.
Lisboa, 24 de agosto de 2020
A Comissão Permanente do Conselho Nacional da Ordem dos Médicos
2020.08.24_NI – Declaração da Ordem dos Médicos – Coragem e Humanismo