Autora:
Bruna Filipa Vilaça Rodrigues
Interna de formação específica de Medicina Geral e Familiar, 4º ano
USF São Vicente
ACeS Tâmega II – Vale do Sousa Sul
Portugal é um país cada vez mais envelhecido, ocupando o “top 3” dos países da União Europeia com maior índice de envelhecimento. A prestação de cuidados de saúde de qualidade permitiu também aumentar o seu índice de longevidade. Consequentemente, a carga de doenças crónicas progressivas tem vindo a aumentar, e em 2018 verificou-se que as doenças neoplásicas malignas (24.6%) foram a 2ª causa de mortalidade na população portuguesa, seguida às doenças do aparelho circulatório. Apesar da sua maior incidência na população adulta, a infância também é atingida, e na inexistência de um tratamento efetivo e curativo para todos, emerge o conceito de paliação.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) define Cuidados Paliativos como os cuidados que visam melhorar a qualidade de vida dos doentes e suas famílias, que enfrentam problemas decorrentes de uma doença incurável e/ou grave e com prognóstico limitado, através da prevenção e alívio do sofrimento, com recurso à identificação precoce e tratamento rigoroso dos problemas não só físicos, nomeadamente a dor, mas também dos psicológicos, sociais e espirituais.
Quase todos os profissionais de saúde já tiveram a experiência de acompanhar um utente que recebe o diagnóstico de uma doença incurável. No entanto, é importante transmitir ao utente que uma doença incurável nem sempre significa pouca duração de vida ou “mau” tempo de vida. Perante a angústia e o medo inevitável da morte, é crucial garantir ao utente que tudo será feito no sentido de preservar a sua qualidade de vida, independentemente da sua duração – dias, meses a anos, recorrendo a cuidados intensivos de conforto. Só assim será possível minimizar o sofrimento psicológico e físico do doente, mas também da sua família, cujo sentimento de desamparo pode ser agravado se existir um manifesto desinteresse dos profissionais de saúde pelo doente.
O aparecimento dos cuidados paliativos em Portugal é recente (início na década de 90), e surgiu inicialmente com o intuído de tratar apenas doentes oncológicos. Contudo a sua importância foi crescendo, e hoje destinam-se a todos os doentes, independentemente da etiologia. No entanto o investimento nestes cuidados e o seu desenvolvimento permanece lento, sendo que em 2008 existiam apenas 80 camas destinadas a estes doentes no país inteiro. Estes tipos de cuidados foram apontados como uma área prioritária de intervenção pela primeira vez, no Plano Nacional de Saúde 2004 – 2010. A lei de bases dos Cuidados paliativos, surgiu apenas em 2012, com a criação da Rede Nacional de Cuidados Paliativos. As lacunas nesta área de cuidados são ainda muito evidentes, uma vez que se manifestam no simples processo de registo de informação através do programa informático – SClínico, em que a codificação pela Classificação Internacional De Cuidados Primários – 2ª edição (ICPC-2), não contempla nos seus capítulos, a prestação de Cuidados Paliativos.
O médico de Família deve conhecer a rede de cuidados paliativos existente. Atualmente é constituída pelas unidades de CP, as equipas hospitalares de suporte, as equipas comunitárias de suporte, e ainda os centros de dia específicos em Cuidados Paliativos. Estas unidades prestam cuidados de forma multidisciplinar (médicos, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais) ao doente e à sua família, atuando também na prevenção de lutos patológicos. As equipas hospitalares de suporte aos cuidados paliativos disponibilizam aconselhamento e apoio a toda a estrutura hospitalar, doentes, família e cuidadores no ambiente hospitalar. Estes cuidados são reforçados pelas equipas de cuidados continuados integrados disponíveis nos ACES. Porém, a prestação de cuidados paliativos no domicílio exige a construção de novas equipas comunitárias com profissionais diferenciados, e planeamento avançado em Cuidados Paliativos, para assegurar que a escolha do local da escolha da morte do doente é respeitada. O Plano Estratégico para o desenvolvimento dos cuidados paliativos do biénio 2019-2020, definido pela Comissão Nacional de CP ressalva os avanços realizados a nível hospitalar, dos CSP e dos cuidados continuados integrados relativos a esta área de atuação, admitindo por outro lado, a inexistência de uma cobertura universal, sobretudo na infância, e um longo caminho a percorrer na melhoria dos cuidados prestados aos utentes.
A eutanásia tem sido um conceito cada vez mais discutido em Portugal, e aparece paralelamente aos Cuidados Paliativos, como uma das soluções ao alívio imediato do sofrimento. Apesar da lei relativa a esta prática, apresentada ainda este ano no tribunal Constitucional português não ter sido aprovada, esta discussão continua a dividir as opiniões, no sentido em que se apresenta como um meio mais eficaz para não perpetuar o sofrimento do utente e das famílias. Contudo, cabe ao profissional de saúde reunir os recursos de saúde disponíveis no sistema nacional de saúde, investir na formação especializada de modo a contribuir para a prestação de cuidados paliativos de qualidade. Para concluir, é necessário repensar na organização dos cuidados de saúde prestados à população e no investimento formativo atribuído pelos profissionais de saúde aos cuidados continuados e paliativos, pois a dignidade humana deve ser protegida até ao último minuto de vida.
Bibliografia:
Diário da República n.º 66/2019, Série II de 2019-04-03
Diário da República n.º 172/2012, Série I de 2012-09-054
Plano Estratégico para o desenvolvimento dos cuidados paliativos (PEDCP) – biénio 2019-2020, Comissão Nacional de Cuidados Paliativos
Site da Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos (https://apcp.com.pt/), acedido em junho de 2021