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Cuidados de Saúde Primários na Holanda – Sistema diferente, pessoas diferentes, literacia diferente!

Autor: Fábio Mano Oliveira, Médico Interno do 4º ano de MGF (USF Sem Fronteiras, ACeS Entre Douro e Vouga I)

Enquanto interno de Medicina Geral e Familiar, tive a oportunidade de realizar um intercâmbio, na cidade de Utrecht (4ª maior cidade da Holanda), integrado no Movimento Vasco da Gama.

A escolha do sistema nacional de saúde holandês deveu-se ao facto de nos últimos anos, este sistema nacional de saúde ter sido apontado como um dos melhores da Europa ocupando neste momento o primeiro lugar no Euro Health Consumer Index.1 Este SNS apresenta diferenças significativas relativamente ao sistema de gestão quando comparado com o SNS português. A grande diferença reside no facto do governo ser responsável pela qualidade e acesso ao Sistema de Saúde, contudo não é responsável pela sua gestão. Assim o SNS holandês é uma combinação de sistema público e privado de saúde, assente nos princípios de igualdade social, solidariedade, eficiência e valor para o paciente. Toda a população é obrigada a possuir seguro de saúde que tem como finalidade apoiar os utentes na cobertura dos custos de saúde, havendo para o efeito, vários pacotes que podem ser contratualizados com serviços diversos que incluem tratamentos, o que de forma indireta acaba por moderar o consumo desnecessário de consultas e cuidados médicos.2

Na Holanda, à semelhança do que se verifica em Portugal, o médico de família é o primeiro contacto do utente com o sistema nacional de saúde. Em média cada médico de família possui um ficheiro composto por 2250 a 2500 utentes, o que configura um número acima do praticado em Portugal, contudo com uma diferença que me pareceu essencial e que permite a prestação cuidados adequados à população – o facto de não se verificar consumo abusivo da parte da população dos cuidados de saúde em situações de “falsas urgências”. E a que é que se deve isso? Deve-se muito à literacia em saúde existente que fica muito acima da realidade portuguesa. A população em geral possui conhecimento básico de saúde e sentido de responsabilidade pela sua saúde! A título de exemplo, no caso de o utente apresentar sintomas de uma mera constipação ou de apresentar odinofagia o utente aguarda em casa os primeiros dias, realizando tratamento sintomático, avaliando assim a evolução dos sintomas, antes de se deslocar ao médico de família, o que reduz de forma significativa o caos da afluência em época de pico sazonal. Além disso, os utentes recorrem sempre primeiro ao seu médico de família, antes de se deslocarem ao hospital o que também reduz a afluência às urgências hospitalares, não se verificando o caos que se tem verificado todos os invernos em Portugal.

Relativamente a condições de trabalho e de instalações, os cuidados de saúde primários na Holanda “batem-nos aos pontos”. É notório um investimento e cuidado contínuo dos serviços de saúde, tanto a nível de instalações como em recursos humanos o que promove uma sensação de bem-estar e motivação nos profissionais de saúde, repercutindo-se na prestação de cuidados.

Perante isto, faço uma avaliação muito positiva da minha experiência e considero que a Holanda é realmente um ótimo país para ser médico de família, com muitas semelhanças com os nossos cuidados de saúde primários, mas, também, com algumas diferenças que considero serem fundamentais para um ótimo funcionamento de qualquer unidade de saúde. Em Portugal ainda existe um longo caminho a percorrer relativamente à literacia em saúde, bem como, à capacitação e responsabilização dos nossos utentes de forma a que o nosso SNS se possa tornar mais sustentável e eficiente.

 

 

Referências Bibliográficas:

  1. Health Consumer Powerhouse. Euro Health Consumer Index 2017 Report. Health Consumer Powerhouse Ltd., 2018.
  2. Weel CV, Schers H, Timmermans A. Health Care in the Netherlands. J Am Board Fam Med March 2012, 25 (Suppl 1) S12-S17