Autor: Luís Pereira de Melo, Médico Interno de Medicina Geral e Familiar na USF Barrinha (ACes Baixo Vouga)
O Médico de Família é o primeiro ponto de contacto com a comunidade no sistema nacional de saúde e tem um papel fundamental como promotor da saúde e bem-estar, onde se inclui a atividade física.
Atualmente, este tema é introduzido em consulta através de um aconselhamento breve acerca dos hábitos de vida saudáveis. Contudo, geralmente, esta abordagem é realizada de uma forma muito sumária, desestruturada e pouco fundamentada, contribuindo para uma baixa adesão por parte dos utentes na adoção de um estilo de vida mais ativo.
Com a formação adequada, o Médico de Família pode ser o “principal” prescritor de exercício físico do sistema nacional de saúde. Este apresenta uma posição privilegiada em relação a outros profissionais de saúde, tendo em conta a sua proximidade à comunidade e consequente influência sobre um grande número de utentes.
Analisando os dados mais recentes referentes aos níveis de atividade física na população portuguesa verifica-se que os resultados nacionais estão longe dos objetivos mínimos das recomendações internacionais para a prática de exercício físico. Representativo dessa realidade é o facto de cerca de 60% da população portuguesa “nunca” participar em atividades de exercício físico, enquanto que a média europeia estima-se em 30%.
De forma mais concreta, Portugal apresenta os índices de atividade física mais baixos da Europa estimando-se que apenas 15% dos adultos portugueses cumprem as recomendações da organização mundial de saúde (150 minutos de atividade moderada ou 75 minutos de atividade vigorosa, semanalmente). Em faixas etárias mais jovens verifica-se que atingem os objetivos mínimos cerca de 36% das crianças com 10-11 anos, e apenas 4% dos adolescentes com 16-17 anos.
Em Portugal estima-se que 14% das mortes anuais estão associadas à inatividade física, um valor acima da média Mundial, cujo valor é inferior a 10%.
Nas atividades de lazer, cerca de 60% dos homens e 70% das mulheres portuguesas não pratica exercício físico. Uma das variáveis que mais contribui para a desproporcionalidade de índices de atividade, inclusive entre diferentes sexos, é o nível de escolaridade, verificando-se uma menor adesão em estratos educacionais mais precários. Para colmatar essa diferença, uma das ferramentas a utilizar pode passar pelo treino de marcha, caminhada e bicicleta, tendo em conta o seu baixo impacto nas economias diárias e a grande oferta de infraestruturas pedonais e ciclovias no nosso país. Apesar destes fatores verifica-se que em Portugal apenas 40% dos cidadãos se desloca a pé 5 ou mais vezes por semana e 39% nunca o faz. Constatou-se também que 94% da população não utiliza a bicicleta em nenhum dia da semana (inclusive como veículo de deslocação). Face a estes dados, torna-se imperativo apostar numa mudança de hábitos que alcance toda a população.
Antes da prescrição de um plano de atividade física individualizado, a intervenção deverá passar por uma fase inicial que consiste no trabalho da motivação para a adoção de um estilo de vida ativo. Esta abordagem motivacional é muitas vezes desvalorizada em consulta, mas tendo em conta que cerca de 67% dos portugueses passam mais de 7,5 horas por dia em comportamentos sedentários, torna-se um ponto fulcral para o cumprimento dos objetivos.
Atualmente a promoção de um estilo de vida saudável é baseada em estudos científicos credíveis que demonstram que o exercício físico é uma intervenção com resultados equiparados à terapêutica farmacológica em muitas doenças crónicas. Por outro lado, a inatividade física corresponde à 4ª causa de morte a nível mundial, com a perspetiva de subir no ranking nos próximos anos, caso não se faça nada no seu combate.
Uma realidade presente em muitos dos nossos pacientes denomina-se por “síndrome de desuso” ou “Espiral descendente de doença crónica” (condição crónica, que se caracteriza por uma cascata de fenómenos: baixa capacidade funcional – redução da velocidade de marcha e função dos membros inferiores – perda de independência – impacto negativo na qualidade de vida – risco de ganho excessivo de peso – resistência insulínica periférica – risco aumentado para diabetes tipo II e doença cardiovascular – deterioração gradual – incapacidade – perda de autonomia). Estes dados ajudam a perceber a associação entre inatividade física e aumento da mortalidade por doença cardíaca.
O principal objetivo desta consulta é a promoção de atividade física e a prescrição de exercício físico, com especial dedicação nos utentes que podem demonstrar maior benefício. A abordagem passa por: aconselhar, promover, criar um plano personalizado de exercício físico de acordo com as recomendações da Organização Mundial de Saúde e em determinados casos ajustada a determinado tipo de patologia ou condição física, disponibilidade e gosto do utente.
Ao integrarmos esta consulta nos cuidados de saúde passamos a ter uma nova forma de intervenção que não está presente nos moldes convencionais, contribuindo para um ganho de saúde local e melhoria dos níveis de atividade física e exercício físico com todos os seus benefícios inerentes.
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