O último ano comprovou que, quando a medicina e a ciência se aliam, o sistema de saúde avança e é capaz de proporcionar melhores condições de trabalho e melhores cuidados de saúde. Por isso mesmo, para o bastonário da Ordem dos Médicos, esta é altura certa para se revisitarem as carreiras médicas, garantindo que o tempo para a investigação clínica é consagrado dentro do horário de trabalho. Esta foi uma das principais ideias defendidas por Miguel Guimarães na quarta-feira, dia 21 de abril, no discurso que fez durante a atribuição da Bolsa D. Manuel de Mello, no Hospital CUF Porto.
A Bolsa D. Manuel de Mello é uma bolsa de investigação anual, instituída em 2007 pela Fundação Amélia de Mello, em parceria com a CUF, que se destina a premiar jovens médicos que desenvolvam projetos de investigação clínica, no âmbito das unidades de investigação e desenvolvimento das Faculdades de Medicina portuguesas.
No valor de 50 mil euros, o prémio desta edição foi atribuído a Helder Novais e Bastos, professor e investigador da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto e do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (i3S), e médico pneumologista no Centro Hospitalar Universitário de São João. O investigador apresentou o projeto “FIBRA-Lung: Interações hospedeiro-microbioma na busca por biomarcadores de doenças pulmonares intersticiais fibrosantes que regem a aceleração”, que permitirá avaliar a evolução da fibrose pulmonar, uma condição patológica grave, subdiagnosticada, com o objetivo de melhorar o seu prognóstico e respetivo tratamento.
A fibrose pulmonar é o resultado de um conjunto de doenças pulmonares difusas, que se caracteriza pela inflamação e cicatrização anómala do tecido pulmonar, geralmente progressiva, estando associada a elevadas taxas de morbilidade e mortalidade, com um prognóstico comparável ao cancro, como explicou Helder Novais e Bastos durante a cerimónia. O médico avançou, ainda, a transversalidade do projeto, que inclui a preparação de um site e de uma aplicação com informação fidedigna sobre a doença, e com a possibilidade de registo de dados e acompanhamento à distância dos doentes. “Pretendemos evoluir no caminho da personalização da medicina, como já foi feito no cancro, procurando biomarcadores que permitem melhorar o diagnóstico e prevenir a perda irrecuperável de função do órgão”, explicitou o vencedor desta edição.
“A escolha deste projeto vencedor enquadra-se no momento atual e é um projeto muito importante numa área que temos vindo a tratar sempre da mesma maneira. Sabemos hoje que o ‘one size fits all’ não é possível”, corroborou o bastonário da Ordem dos Médicos. Miguel Guimarães aproveitou o momento para reiterar que “a ciência e a inovação são fundamentais a várias áreas dos países, como a economia, saúde, educação e turismo”, acrescentando que a pandemia dissipou as dúvidas sobre a validade das terapêuticos sem evidência científica.
Aproveitando a presença do Secretário de Estado Adjunto e da Saúde, António Lacerda Sales, o bastonário desafiou a tutela a incluir tempo para a investigação nas carreiras médicas. “Temos de caminhar para que exista um tempo dedicado à investigação, para que as pessoas possam fazer investigação clínica para melhorar a qualidade do que os serviços fazem no dia-a-dia”, defendeu Miguel Guimarães. Depois, lembrou que a própria Ordem dos Médicos tem estado envolvida em vários projetos e que criou há dois anos um Fundo de Apoio à Formação Médica, que já apoiou mais de 400 colegas.
O Secretário de Estado Adjunto e da Saúde, que encerrou a sessão, começou por elogiar o vencedor e a forma como apresentou o projeto. “A simplicidade com que apresentou o projeto só aumenta a sua grandeza. Que seja um incentivo para que outros colegas tão jovens possam dar palco aos seus projetos”, disse. Depois, Lacerda Sales assegurou que a pandemia reforçou o trabalho entre todos os setores – público, privado e social. Antes, na mesma sessão, tinha sido referida a importância de existir uma visão mais global do sistema de saúde, sem o poder político se focar apenas no Serviço Nacional de Saúde.
Na mesma cerimónia, o presidente da Comissão Executiva da CUF, Rui Diniz, destacou que esta bolsa é muito importante por representar “uma aposta clara no talento do futuro e numa nova geração de profissionais e de conhecimento”, por ser um “sinal da nossa dedicação à inovação ligada à atividade clínica, de olhos postos no futuro e focada em projetos que ainda vão acontecer e que trazem melhorias concretas à prestação de cuidados e a melhoria da qualidade de vida” e por ser “uma bolsa dedicada à comunidade e ao país, que não é da CUF para a CUF, mas aberta a todos os investigadores do país”.
Também o presidente da Fundação Amélia de Mello, Vasco de Mello, destacou a longevidade da bolsa e da própria fundação, criada em 1964, com o propósito de ter um plano de intervenção na educação e na assistência. “Esta bolsa junta os dois fins estatutários da Fundação e acreditamos que esses dois desígnios são essenciais ao pleno desenvolvimento do nosso país”, defendeu.
Já o presidente do júri, António Rendas, defendeu como crítica a associação entre a prática médica, as universidades e a investigação, para melhoria do tratamento e qualidade de vida dos doentes. O responsável apresentou as regras apertadas de candidatura e seleção dos vencedores, adiantando que a transdisciplinaridade está cada vez mais presente nos trabalhos a concurso.