Autor: António Gentil Martins, médico
Elísio de Moura, o primeiro bastonário da Ordem dos Médicos, no seu Relatório de final de mandato, em 1941, sugeria a criação de um Serviço Nacional de Saúde. Em 1961 na Câmara Corporativa Mello e Castro propunha igualmente a criação de um SNS. Posteriormente em 1971 Gonçalves Ferreira criava os Centros de Saúde e no Estatuto de Ordem dos Médicos de 1977 defendia-se também um Serviço Nacional de Saúde ao qual Arnaut, como Ministro, colocou o carimbo aos trabalhos do médico (seu Secretário de Estado), Mário Mendes.
Em 1965 Miller Guerra dinamizava as Carreiras Médicas, consagrando nesse trabalho o aperfeiçoamento profissional, o pagamento fixo mas associado a uma remuneração variável, de harmonia com a qualidade e quantidade do esforço dedicado à profissão, com pagamento variável tendo por base o pagamento por Acto Médico e a prática da Medicina Livre, com liberdade de escolha (pág. 188) como a forma mais humana da prática clínica (pág. 105). O vencimento mensal fixo é a burocratização da medicina (pág. 2). O valor da assistência está no valor dos Médicos que tiver ao seu serviço (pág. 18). Por isso, se a Ordem existe para defender os Doentes, não pode também deixar de defender os Médicos.
Sempre defendemos um SNS com o inalienável direito à liberdade de escolha dos Médicos e das Instituições, com base num Seguro Nacional de Saúde obrigatório, no qual a Clínica geral será a base do Sistema e sem esquecer o papel indispensável do trabalho da Saúde Pública. Defendemos um Sistema de Saúde, não como monopólio do Estado, como sugerido pelo generoso Ministro António Arnaut, totalmente irrealista e irresponsável (ao propor um Serviço de Saúde gratuito e afirmando que era ao Ministro das Finanças que competia fazer contas) como se demonstrou ao ser necessário alterar a Constituição da República. Arnaut afirmava ser o SNS um grito de liberdade. Mas foi uma Ministra socialista, Ana Jorge, em 2010, a declarar que o actual modelo era bom mas não permitia liberdade de escolha (liberdade de escolha que trás confiança e responsabilidade…!).
Defendemos sim um Sistema tratando equilibradamente os Serviços do Estado, da área Social e da área Privada. A pandemia veio demonstrar que todos não somos demais para defender a Saúde, todos com suas virtudes e defeitos. A medicina não tem de ser gratuita como o não são outras necessidades básicas como a alimentação, a habitação, etc. O Sistema Convencionado exige consensos e planeamento a médio e longo prazo, não podendo alterar-se a cada mudança de Governo.
Actualmente confrontam-se 3 grandes modelos de exercício profissional médico: a clínica livre privada, direito inalienável de qualquer cidadão mas com o grave inconveniente de ser apenas acessível a quem possua maior capacidade económica, a medicina do Estado, com profissionais funcionário públicos (com remuneração independente da qualidade e do trabalho realizado (e com limitada capacidade de escolha), e a medicina convencionada na qual se paga quando se está saudável para ter direitos quando se está doente e fragilizado. Esta última forma procura associar os méritos dos outros dois sistemas e eliminar os respectivos convenientes. Será uma universalidade e melhoria desta forma de agir, que deverá ser a base do futuro sistema de Saúde em Portugal. Aliás a pandemia veio confirmar que todos (público, social e privado) não somos demais e devemos trabalhar em conjunto, procurando prever e estar preparados para o futuro.
O Presidente da República recordou que o SNS é uma das principais conquistas do 25 de Abril e uma peça chave para o desenvolvimento humano e para a justiça social mas não esquecendo o agradecimento aos profissionais de Saúde, de facto os grandes obreiros da dessa mesma Saúde. O nosso bastonário igualmente comemorou a data dos 41 anos, frisando que chegou a hora de transformar num plano de acção todas as boas ideias e projectos que vêm sendo apresentados e propostos ao longo de muitos anos.
Quando será que os políticos compreendem que a saúde deve ultrapassar as opções partidárias, de esquerda ou de direita, mas preocupar-se fundamentalmente em conseguir o melhor modelo para Portugal, que é, segundo nós, o convencionado. É necessária, e mesmo indispensável, a vontade política para mudar. Também não podemos esquecer o artigo 25º da Declaração dos Direitos do Homem, de 1948. É verdade que a cobertura nacional na saúde melhorou mas certamente menos do que poderia e deveria. Mas é pena que, ao dar como indicador dessa melhoria a quebra da mortalidade infantil, se esqueçam de mostrar a evolução da curva desde o tempo da 1ª república e até ela estabilizar, e revelando assim, honestamente, não só os bons resultados actuais mas também os importantes progressos anteriores ao 25 de Abril de 1974.
Notas finais:
O autor enviou esta carta aberta aos Partidos com assento na A.R.
As páginas que refere ao longo do texto são da edição do “Relatório das Carreiras Médicas” em que é relator Miller Guerra, edição composta e impressa na Gráfica Santelmo, Lda.