Autor: Vânia Gomes, Médica Interna do 4º ano de Formação Específica em MGF (USF Santo António – ACeS Cávado III Barcelos/Esposende)
O Burnout é definido pela Organização Mundial de Saúde como uma síndrome resultante do stress crónico no local de trabalho. Esta síndrome é caracterizada por 3 dimensões: sentimentos de falta de energia ou exaustão, despersonalização ou sentimentos de negativismo ou cinismo relacionados com o trabalho e redução da eficácia profissional.
Um estudo nacional sobre o Burnout na Classe Médica, realizado pela Ordem do Médicos em 2016, concluiu que 66% da população estudada se encontrava num nível elevado de exaustão emocional, aproximadamente 39% apresentava um nível elevado de despersonalização e cerca de 30% reportava uma elevada diminuição da sua realização profissional. Estes dados são alarmantes, uma vez que ilustram uma realidade que afeta a qualidade da prestação de cuidados de saúde aos nossos utentes e a qualidade de vida e o estado de saúde do profissional.
É do conhecimento geral que a profissão médica é exigente quer a nível do conhecimento científico quer a nível da prática clínica. Além disso, a vertente humana, ética e deontológica assume um papel desafiador no nosso quotidiano profissional. Factos, estes que por si só, são responsáveis pela elevada predisposição da classe médica ao Burnout. Na atualidade, a estes fatores adicionamos ainda a elevada pressão em relação aos horários de trabalho (em várias unidades de saúde são exigidas consultas com tempo máximo de 15 minutos) e a falta de condições de trabalho, quer a nível de material disponível quer a nível das várias falhas frequentes dos sistemas informáticos.
E será o Burnout uma realidade desvalorizada ao longo do internato?
O internato médico é um período com objetivos exigentes, e que nos é apresentado, frequentemente, como uma fase de sofrimento e de privação em prol da nossa melhor formação e preparação para o futuro. Esta realidade culmina na desvalorização deste problema e na falta de intervenção no mesmo nesta fase da carreira profissional.
Como médica interna de Medicina Geral e Familiar, o Burnout é também uma realidade próxima, com o currículo que nos é exigido ao longo deste percurso de 4 anos de aprendizagem. Por um lado, é fundamental a aquisição dos gestos clínicos, da capacidade de gerir a consulta médica e de estabelecer a relação médico-utente, mas por outro lado, também é essencial a atualização de conhecimentos, a realização de trabalhos de investigação, a apresentação dos mesmos em eventos formativos e a dinamização de sessões de educação para a saúde na população. Além do nosso horário na nossa unidade de saúde, muito é o tempo que passamos dedicados à construção do nosso currículo, tendo para isso, na maioria das vezes, que prescindir de atividades sociais e familiares. Além disso, a insegurança do futuro após terminar a especialidade, coloca muitas vezes em causa a nossa posição no seio familiar e as nossas decisões futuras.
Assim sendo, a pergunta que se coloca é: “Como podemos melhorar esta situação?”
Acredito que a solução passa, sem dúvida, pela prevenção. Várias são as estratégias passíveis de ser sugeridas, tais como: redução de horas de trabalho, melhoria das condições do local de trabalho; simplificação no acesso aos programas informáticos; reconhecimento do trabalho realizado; apoio e supervisão adequada ao longo das diferentes fases do internato; promoção do trabalho em equipa; maior autonomia na construção do currículo, de modo a permitir ao interno dedicar-se às áreas de maior interesse e realização profissional; e facilitação de um equilíbrio entre a vida pessoal e a vida profissional, valorizando-se as atividades realizadas para prevenção do Burnout. Por último, e não menos importante, fornecer um apoio dirigido a todos os médicos que se encontrem nesta situação.
Médicos saudáveis e motivados, em qualquer fase da sua carreira profissional, prestam melhores cuidados de saúde aos seus utentes e cometem menos erros. Logo, a solução desta problemática só pode passar por um investimento na prevenção com a adoção de políticas de saúde concordantes.
Referências Bibliográficas:
- World Health Organization. Burn-out an “occupational phenomenon”: International Classification of Diseases. https://www.who.int/mental_health/evidence/burn-out/en/
- Vala, J., Pinto, A. M., Moreira, S., Lopes, R. C., Januário, P. (2016). Burnout na classe médica: Estudo Nacional. Sessão de apresentação Ordem dos Médicos, Lisboa.