No dia 21 de setembro, realizou-se uma audição conjunta na Assembleia da República, promovida pelo grupo de trabalho que está a estudar um novo regime jurídico das profissões reguladas, que contou com a presença dos respetivos grupos parlamentares, bem como das ordens profissionais dos médicos, dos farmacêuticos, dos psicólogos e dos nutricionistas.
O bastonário da Ordem dos Médicos apontou as principais questões que levam a instituição a contestar a nova lei das ordens profissionais, considerando que a proposta tem problemas e incoerências estruturais, visando “silenciar” as ordens e impedindo que estas prossigam o seu papel público de intervenção na defesa dos interesses dos doentes.
Miguel Guimarães foi o primeiro a intervir relembrando que a Ordem dos Médicos apresentou, em devido tempo, os seus contributos e críticas ao projeto de alteração da Lei 2/2013. O bastonário reiterou ainda que a defesa dos destinatários dos serviços – ou seja, neste caso, dos doentes – é a razão primeira e fundamental para toda a regulamentação das profissões, algo que os deputados querem suprimir dos estatutos das ordens, colocando como objetivo máximo destas apenas a defesa dos seus próprios membros.
Miguel Guimarães reforçou que os médicos trabalham em função e para os doentes e o mesmo ocorre com todas as demais profissões representadas pelas Ordens, cada uma na sua área de atuação. Sendo contraditório e incoerente que se retire esta atribuição e depois se pretenda instituir, como órgão obrigatório, o Provedor dos destinatários dos serviços. Além disso, a participação de não médicos nos órgãos disciplinar e de supervisão não fazem sentido, na medida em que as competências que estes órgãos exercem implicam um conhecimento profundo das leges artis da profissão que os não médicos não detêm.
Por outro lado, não se entende a vantagem da intenção de haver três membros do órgão de supervisão que são provenientes das universidades, quando no caso da profissão médica será muito difícil ter professores de medicina que não sejam, simultaneamente, médicos, não fazendo sentido que membros de outras profissões da saúde integrem os órgãos da Ordem dos Médicos.
Outro aspeto abordado foi a constante disseminação de informação falsa acerca das supostas dificuldades ou restrições no acesso à profissão exercidas pela OM. Miguel Guimarães relembrou que Ordem dos Médicos não dificulta nem restringe o acesso às profissões que regula. Limita-se a aplicar a legislação aprovada pelo Parlamento, grande parte da qual por transposição da Diretiva 2005/36. Uma vez mais, o representante dos médicos esclareceu publicamente que a maior dificuldade que existe no acesso à profissão médica por parte de médicos estrangeiros não provenientes do espaço europeu prende-se com o reconhecimento do grau académico, que é da competência das universidades. Quanto aos médicos estrangeiros, a OM limita-se, no cumprimento do que a legislação impõe, a verificar as competências linguísticas, em colaboração com o Instituto Camões.
Miguel Guimarães considera incompreensível que o órgão de supervisão que se pretende com a proposta, não seja diretamente eleito pelos membros das ordens, através de uma eleição direta legitima, sendo muito mais transparente. As modificações que os promotores destes projetos de lei estão a tentar promover vão no sentido de diminuir o grau de democraticidade, retirando aos profissionais eleitores a possibilidade de elegerem diretamente aqueles que vão integrar os órgãos com maior capacidade, por via das competências que se prevê lhes sejam atribuídas, para diretamente influírem na sua vida profissional.
O projeto de lei apresentado pelo Partido Socialista já tinha sido contestado pela Ordem dos Médicos pois “representa uma perigosa ingerência no funcionamento das ordens profissionais”.
“Com o falso argumento de que se pretende pôr fim ao corporativismo e aos supostos entraves no acesso às profissões, o projeto constitui um ataque direto à democracia, ao impedir que associações como a Ordem dos Médicos possam manter o seu papel público de intervenção na defesa dos interesses dos doentes”, considera a OM.
A proposta pretende igualmente que, quem tenha atividade sindical, não possa vir a assumir funções na Ordem por um período de quatro anos após a cessação de funções, numa imposição sem paralelo no mundo da política e quando o atual Estatuto da Ordem já prevê a incompatibilidade de funções simultâneas entre dirigentes executivos da Ordem e dos sindicatos.
A Ordem dos Médicos, não recusa adaptar e modernizar o seu funcionamento, mas não poderá aceitar um projeto de lei que é uma armadilha para os cidadãos e uma ameaça para os médicos. Prova do interesse da instituição em servir melhor os doentes e envolver a sociedade civil, são as propostas apresentadas há mais de um ano à Assembleia da República na sessão legislativa passada e que não tiveram resposta.
Nessas propostas constava a criação da figura do Provedor da Saúde e a inclusão de um magistrado no Conselho Superior da Ordem dos Médicos, designados respetivamente pela Ordem dos Médicos e pelo Conselho Superior de Magistratura, solução muito diferente da partidarização agora proposta, que, não só quer garantir lugares de indicação política nos principais órgãos da Ordem, como quer colocar essas mesmas pessoas externas em situação de maioria e com acesso e poder de decisão sobre informação clínica protegida dos doentes, seja no designado órgão de supervisão, seja num conselho disciplinar de âmbito nacional.