PERGUNTA:
Por vezes surgem na consulta pacientes que apresentam queixas clínicas que tiveram início na véspera ou mesmo vários dias antes da consulta, e que referem impossibilidade de comparência no trabalho por esses motivos e nesse período. Muitas vezes esses relatos são clinicamente plausíveis por aquilo que conhecemos da história natural das doenças (p. ex. nos comuns casos de gripe).
O que venho por este meio perguntar se é lícito e legal que, ao passar uma “baixa” com respeito a um episódio de doença, aquela tenha início numa data anterior à da consulta (uma vez que as queixas clínicas, segundo o doente, começaram antes da consulta e é clinicamente verosímil que tal seja assim, fazendo todo o sentido que se tenha abstido do trabalho em virtude da doença).
RESPOSTA/PARECER JURÍDICO:
Nos termos do disposto no artigo 44.º do Código Deontológico da Ordem dos Médicos (aprovado pelo Regulamento 707/2016) “1 — Por solicitação livre e sem qualquer coação do interessado ou seu legal representante, o médico tem o dever de atestar e registar os estados de saúde ou doença que verifique durante a prestação do ato médico. 2 — Os atestados médicos, certificados, relatórios ou declarações são documentos particulares, assinados pelo seu autor de forma reconhecível e só são emitidos a pedido do interessado, ou do seu representante legal, deles devendo constar a menção desse pedido. 3 — Os atestados de doença, além da correta identificação do interessado, devem afirmar, sendo verdade, a existência de doença, a data do seu início, os impedimentos resultantes e o tempo provável de incapacidade que determine; não devem especificar o diagnóstico de que o doente sofre, salvo por solicitação expressa do doente, devendo o médico, nesse caso, fazer constar esse condicionalismo. 4 — Para prorrogação do prazo de incapacidade referido no número anterior, deve proceder -se à emissão de novo atestado médico. 5 — O médico não está impedido de realizar atos médicos sobre si próprio ou familiares diretos. 6 — O médico está impedido de emitir atestados a si próprio ou em situação de manifesto conflito de interesses”.
Deste modo, e nos termos do que decorre deste preceito, o atestado médico corresponde a uma declaração do médico na qual este declara, sob compromisso de ser verdade, que durante a prestação do ato médico presenciou determinado estado de saúde ou de doença daquele a favor de quem o atestado é emitido.
Assim, do ponto de vista jurídico e deontológico, não consubstancia qualquer infração a emissão de um atestado médico que, na data em que é emitido, se reporta a uma situação de doença passada ou que teve início em data anterior pois é possível que, no momento da verificação da sua doença pelo médico, o doente não solicite o atestado pelo que, quando o faz posteriormente, o médico deverá emitir o atestado de doença, mas datando-o do momento em que o emite.
Já quanto à emissão de um atestado que certifique uma incapacidade pretérita do doente mas que não foi verificada pelo médico, apenas afirmada pelo doente e que é clinicamente verosímil, a sua emissão poderá ocorrer, mas o médico deverá fazer constar que “…quanto à data de inicio da doença e de acordo com o doente esta teve início em … o que é clinicamente verosímil ”. É isto o que o médico, sob compromisso de honra, poderá atestar e que jurídica e deontologicamente é irrepreensível, não podendo nestas circunstâncias ser assacada ao médico qualquer infração.