Autor: Pedro Sousa, Médico Interno no 4º ano de MGF na USF Gualtar (ACeS Cávado I – Braga)
Foi no início do ano que começámos a ouvir falar de um certo vírus “novo” que estava a provocar quadros de pneumonia atípica numa população chinesa. Rapidamente, os casos multiplicaram-se e no final de janeiro tinham atingido a Europa. Em março, os primeiros casos foram registados em Portugal e nestes últimos 7 meses toda a população tem sido diariamente bombardeada com informação acerca da pandemia provocada pelo novo coronavírus.
Embora ainda existam muitas dúvidas sobre a resposta individual à infeção e as possíveis repercussões e sequelas para o futuro, parece-me possível afirmar que o doente respiratório crónico está em maior risco de desenvolvimento de complicações e de doença mais grave no caso de uma infeção COVID-19. Esta opinião, penso, também é partilhada pela população geral, bem como pelos doentes com que lidamos diariamente. Então, será esta uma oportunidade para reforçar o controlo funcional dos doentes respiratórios? Será um momento em que devemos “aproveitar” a maior sensibilização da população para a patologia respiratória para tentarmos obter ganhos em saúde? Diria que sim.
O doente com asma ou com doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC) é um doente particular, muitas vezes de difícil cumprimento terapêutico, como me tenho apercebido apesar da minha curta experiência clínica. Apesar da evidência de declínio funcional, pela ausência de exacerbações, por apresentarem sintomas ligeiros (desvalorizados até pelo próprio e aos quais se vão habituando progressivamente), é frequente encontrarmos falhas e omissões no cumprimento da terapêutica inalatória, bem como da sua correta realização.
Segundo a Direção-Geral da Saúde, é nos Cuidados de Saúde Primários que são feitos mais diagnósticos de asma e DPOC. Estima-se, como relatado no Programa Nacional para as Doenças Respiratórias, que o número de diagnósticos de asma e DPOC tem aumentado nos últimos anos (com um incremento de 234% e 241% entre 2011 e 2016, respetivamente).1 Só por isto, estamos em posição privilegiada para orientar estes doentes, garantindo um acompanhamento adequado, no sentido de se manterem os ganhos em saúde que se têm verificado, também nos últimos anos, por exemplo no número decrescente de internamentos por estas doenças. Enquanto Médico de Família, penso que a vigilância do doente asmático ou com DPOC deveria seguir o mesmo padrão de outros grupos de risco, como os hipertensos ou diabéticos, com criação de uma vigilância organizada, multiprofissional e regular dos mesmos. Se muitos destes doentes têm outros fatores de risco cardiovascular, e até são observados nas consultas de vigilância de grupos de risco, dezenas de muitos outros estarão, provavelmente, a ser privados dessa vigilância regular, sobretudo aqueles que não procuram apoio nesse sentido.
A fase que atravessamos deve alertar toda a população para a importância do controlo das doenças crónicas, que tornam o utente mais vulnerável em situações de agressão externa, nomeadamente das doenças respiratórias. Esta “janela de oportunidade” não deve ser entendida como “aproveitar” o medo que se instalou de forma mais ou menos generalizada e intensa na população, mas garantir que a maior sensibilização da população seja útil à aplicação de medidas de prevenção a longo prazo.
Se estamos, atualmente, a ter uma corrida por parte da população à vacinação anti-gripal (e bem!), com ruturas de stock nas farmácias, com listas de espera imensas, porque não garantir e capacitar o utente para o controlo da patologia respiratória, nomeadamente através do cumprimento terapêutico e da correta técnica inalatória? Ou então para maximizar as intervenções breves e reforçar a importância da cessação tabágica?
As doenças respiratórias são, no seu conjunto, uma importante causa de morbilidade, internamentos hospitalares e mortalidade. Como em qualquer patologia, todas as oportunidades que permitam uma intervenção que garanta ganhos em saúde devem ser aproveitadas em prol do utente. O controlo da função respiratória é essencial para garantir uma boa qualidade de vida e também para evitar o descontrolo de outras patologias crónicas.
Não sabemos para quando estará anunciado o controlo da pandemia da COVID-19. Não sabemos quanto mais tempo iremos manter a reestruturação dos serviços, quanto tempo mais o SNS terá de aguentar este turbilhão que parece ter vindo para ficar. Não sabemos quando ou se voltaremos ao “normal” que conhecíamos. Mas sabemos que os doentes respiratórios vão continuar a existir. E que devemos oferecer todas as ferramentas para os capacitar para o melhor controlo da sua doença.
A educação para a saúde é essencial, pois não é possível alterar aquilo que se desconhece.
E ainda temos de batalhar muito neste sentido, em educar, capacitar, ajudar e acompanhar esta população que também é de risco.
Referências:
- Portugal. Ministério da Saúde. Direção-Geral da Saúde. Programa Nacional para as Doenças Respiratórias 2017. Lisboa: Direção-Geral da Saúde, 2017.