Reportagem sobre células dendríticas
Foi divulgada inadvertidamente uma carta da Presidente do Colégio de Oncologia Médica, dirigida ao Bastonário da Ordem dos Médicos, sobre a reportagem que a TVI transmitiu relativamente a células dendríticas no tratamento oncológico.
Tal carta, que continha considerações de índole pessoal, foi distraidamente considerada como um comunicado formal do Colégio de Oncologia, não o sendo efectivamente.
Do facto, da exclusiva responsabilidade do próprio, o Bastonário da Ordem dos Médcos, José Manuel Silva, apresenta públicas desculpas à Presidente do Colégio e à jornalista da TVI autora do programa.
É o seguinte o conteúdo da apreciação efectuada pela Ordem dos Médicos ao referido programa, intitulado “Células de Esperança”, no sentido de contribuir assim para o esclarecimento da opinião pública em geral e dos doentes oncológicos, em particular.
1 – No programa em apreço, o Dr. Luís Costa não teve a oportunidade para produzir um esclarecimento sereno e cabal sobre a terapêutica com células dendríticas.
2 – O programa descuidou aspectos importantes na elaboração de qualquer terapia. Concretamente, não evidenciou que o tratamento generalizado com células dendríticas não foi sujeito à avaliação científica exigível a qualquer terapêutica inovadora. A saber, a realização de ensaios clínicos, geralmente transnacionais, que definem, com inabalável rigor, a metodologia a utilizar. Entre outros: os objectivos do ensaio, os critérios de inclusão dos doentes, as avaliações dos resultados encontrados, o registo da toxicidade detectada, a apreciação do custo/eficácia e mais-valia sobre o tratamento standard nessa situação específica, a apresentação e publicação desses resultados à comunidade científica e a submissão às entidades oficiais para integração nas guidelines terapêuticas.
3 – Até ao momento, não há qualquer trabalho publicado sobre a utilidade, eficácia e segurança do tratamento com células dendríticas, no doente oncológico.
4 – Nenhuma Sociedade de Oncologia (Europeia ou Americana) menciona este tratamento como alternativa, nas suas orientações terapêuticas.
5 – A EMA (European Medicines Agency), entidade europeia competente que valida todo o tratamento, ainda não o reconhece na forma utilizada, estando apenas em investigação, em situações específicas, como “orphan designation”.
6 – Questionados vários oncologistas alemães, nenhum reconheceu esta clínica e, muito menos, considerou esta terapia válida e recomendável à luz dos conhecimentos actuais.
7 – O programa condicionou e criou exageradas expectativas a alguns doentes oncológicos que, insistentemente, manifestam o desejo de se submeterem a esta terapia que os oncologistas portugueses não podem validar por ausência de informação científica publicada.
8 – Ao ser apresentado o exemplo de um doente português que se deslocou ao estrangeiro, com logística e tratamento comparticipados pelo Ministério da Saúde, sem sublinhar a sua especificidade, criou um problema insolúvel aos oncologistas portugueses que não podem recomendar uma terapia que não está cientificamente validada. É óbvio que esta questão vai ser colocada por muitos outros doentes que se julgam com direito a um tratamento alternativo.
9 – Pretendemos afirmar o nosso repúdio pela falácia que alguns media passam para a opinião pública, transmitindo a imagem de conluio íntimo dos médicos com a indústria farmacêutica. Isso foi francamente explícito quando se afirmou, no referido programa, que a comunidade médica não aceita esta terapêutica apenas pelo facto de ser alheio à indústria farmacêutica, por não se tratar de um fármaco comercializável.
10 – A Ordem dos Médicos reitera que apenas pretende que seja demonstrada cientificamente a eficácia da terapêutica, como com todas as outras, acreditando mesmo que, ao tratar-se de uma terapia imunológica, poderá ser útil no futuro, em alguns doentes e em situações específicas, à semelhança de outras terapias-alvo já recomendadas e utilizadas na prática clínica.
José Manuel Silva
Bastonário da Ordem dos Médicos