O novo conceito de Medicina Nuclear dirige-se à fisiologia e ao estudo das disfunções moleculares. Inclui também uma área de terapêutica.
O âmbito da Medicina Nuclear cresceu enormemente nas últimas décadas mas, sobretudo nos anos 80 e 90, adquiriu grande autonomia face às outras técnicas de imagem pois permite de uma forma singular, avaliar sobretudo a função e não só a morfologia.
A utilização de fármacos em pequenas doses, sem efeitos farmacológicos, acoplados a radionuclídeos que emitem um sinal captado por modernas câmaras gama, permite estudar a função de órgãos e tecidos sem nela interferirem, ou seja, permite a observação da função a investigar sem alteração dessa mesma função. Do ponto de vista do doente as técnicas utilizadas são simples e apenas requerem uma injecção endovenosa ou administração oral de um radiofármaco. Reacções adversas são excepcionais. A dose de radiação recebida pelos doentes, quando da realização de exames de diagnóstico é semelhante ou inferior à recebida por exames de Radiologia realizados no mesmo contexto clínico. O nuclearista vai utilizar as suas técnicas ou a sua tecnologia de modo a responder da melhor forma aos clínicos às seguintes questões, que devem ser colocadas num processo de diagnóstico: 1.Existe alguma alteração? 2.Se existe onde está? 3.Qual a sua extensão? 4.É possível saber a etiologia das alterações? 5.É possível saber o grau da actividade dessas alterações?
O avanço nas ciências biomédicas tomou possível uma diferente orientação diagnóstica. Esta orientação classicamente dirigida para sistemas e órgãos, pode ser agora orientada para níveis mais elementares: molecular e tissular. A doença não é ou não deve ser encarada como um objecto estranho que invade o nosso corpo mas como uma dissonância de um ou mais sistemas mensageiros. Estes enviam às células indicações ou mensagens de como e quando se dividem, como devem reagir a microrganismos ou outros elementos estranhos. Como exemplo, no âmbito da Oncologia, o cancro não é mais encarado como uma doença de um órgão específico, mas como um desequilíbrio entre factores de promoção e de supressão do crescimento.
A Medicina Nuclear capta a emissão de fotões através de detectores externos. A qualidade e quantidade duma emissão traduz as interacções bioquímicas entre estruturas moleculares e o doente é encarado como uma sinfonia de reacções bioquímicas, cujas alterações são responsáveis por um determinado sinal. Este “sinal” traduz um diagnóstico, um estadiamento, uma resposta terapêutica, um efeito acessório.
O novo conceito de Medicina Nuclear dirige-se à fisiologia e ao estudo das disfunções moleculares. A Imagem Molecular visualiza moléculas “específicas” baseando-se nas suas propriedades químicas e biológicas. Assim o médico pode “penetrar” no corpo humano para identificar as doenças, monitorizar a sua progressão e tratar os doentes a um nível molecular.
Para a história da Medicina Nuclear contribuíram descobertas científicas importantes: 1) descoberta dos raios X, em 1895, por William Konrad Röntgen, e que mereceu um prémio Nobel em 1901,2) quatro meses depois outro físico, Henri Becquerel, descobriu a radioactividade do urânio, 3) Em 1913 Georg de Hevesy introduziu o conceito de marcador radioactivo, o que lhe granjeou um prémio Nobel em 1943. Este conceito mantém-se actual e é o princípio da prática da especialidade de Medicina. Nuclear.
Em Portugal, os primeiros centros de Medicina Nuclear, designados por Laboratórios de Radioisotopos, surgem na década de 50 e foram dirigidos por físicos. A especialidade de Medicina Nuclear é pela primeira vez atribuída pela Ordem dos Médicos em 1982, sete anos antes do seu reconhecimento a nível europeu.
A Medicina Molecular é um novo campo que emergiu da combinação de múltiplos desenvolvimentos:1)avanços tecnológicos para visualizar estruturas e funções o que não era possível há 10 anos atrás 2) a descoberta do genoma humano permitiu identificar populações em risco, e 3) estudo de modelos em animais para diagnóstico e terapêutica.
No âmbito da Medicina Molecular surge a Tomografia de Emissão de Positrões (PET). É uma técnica de diagnóstico não invasiva que permite reconstrução de cortes tomográficos do corpo humano. As imagens obtidas mostram a biodistribuição dos traçadores usados. É possível utilizar uma grande variedade de traçadores, a maioria isótopos do carbono, azoto, oxigénio e flúor. A utilização destes isótopos permite a investigação ou o estudo “in vivo” da perfusão e metabolismo de órgãos e tecidos, bem como de processos biomoleculares em indivíduos saudáveis e as suas alterações quando há uma doença de órgão ou sistema. As suas características de elementos naturais radioactivos aumentam o nosso conhecimento das funções bioquímicas normais do corpo humano e permitem o exame bioquímico dos doentes como parte do seu estudo clínico.
Os novos equipamentos, híbridos, têm uma enorme vantagem que advém de se obter simultaneamente o co registo de imagens funcionais geradas pelos emissores de fotões e imagens morfológicas obtidas através de uma tomografia multicortes acoplada. A PET-CT é actualmente usada preferencialmente em Oncologia devido à aplicação da fluorodesoxiglicose marcada com Flúor 18 (FDG). A FDG é um marcador metabólico, semelhante à glucose. O facto de as células com grande capacidade proliferativa acumularem mais avidamente grande quantidade de FDG relativamente a células normais, torna esta substância atraente para o estudo do cancro nas suas várias vertentes: diagnóstico de tumores, estadiamento, seguimento, detecção de recidivas ou metástases e inclusive para determinação do valor prognóstico quando utilizamos estudos quantitativos. Os exames com FDG permitem a avaliação precoce dos resultados da terapêutica dado que a informação funcional precede a informação anatómica. As principais indicações clínicas são: 1) diagnóstico de nódulos solitários do pulmão, detecção de tumores de origem desconhecida e caracterização de massas pancreáticas, 2)estadiamento de cancro do pulmão, cabeça e pescoço, mama, cólon e recto, 3)monitorização da terapêutica com avaliação da resposta à quimio ou radioterapia também nos tumores do pulmão, cancro do cólon e recto, linfomas, melanomas, cancro da mama… A quantificação da captação de FDG pode avaliar a resistência à quimioterapia. Tem um valor prognóstico nos tumores malignos cerebrais e nos tumores da cabeça e pescoço.
Duas grandes áreas de aplicação são a cardiologia, no diagnóstico de viabilidade miocárdica e as neurociências. Na Neurologia é utilizada com vantagem reconhecida no diagnóstico da epilepsia refractária à terapêutica e no diagnóstico das demências, especialmente da doença de Alzheimer.
O tratamento com radionúclideos pode constituir alternativa atraente e realista a outras terapêuticas do cancro avançado, como a quimioterapia e radioterapia. São tratamentos sistémicos, não invasivos, de baixa toxicidade e escassos efeitos acessórios quer imediatos quer tardios. Beirewaltes demonstrou, em doentes tratados com lodo-131 e P-32, um menor risco de leucemias e segundas neoplasias quando comparado com a quimioterapia e radioterapia externa. Pretendem ser selectivas isto é, atingir o alvo sem lesar os tecidos circundantes. Assim a proposta actual é o uso de radionúclideos e radiofármacos específicos de tumores, que têm capacidade de actuarem como marcadores biológicos e metabólicos. Oferecem uma vantagem única pois permitem a realização de estudos prévios de diagnóstico/imagem com o mesmo produto. Vários factores são indispensáveis para tornar a terapêutica bem sucedida. São factores relacionados com o tumor em si, como a sua sensibilidade à radiação e a dose total de radiação absorvida, e factores relacionados com as características do produto usado. Deve ter uma captação elevada e selectiva pelo tumor e longa retenção no mesmo, permitindo assim uma radioterapia interna selectiva e prolongada. Os mecanismos de actuação são variados. Podem ser incorporados no DNA dos núcleos das células ou do citoplasma, como podem ligar-se às membranas celulares através de receptores hormonais ou de anticorpos. É possível levar a radioactividade perto do tumor, através de uma via intrarterial ou intracavitária. Para concluir, a optimização da terapêutica com radionúclideos passa por incluir esta modalidade nos estudos clínicos, numa forma randomizada. A Medicina Nuclear tem valor estabelecido no tratamento de tumores da tiroideia e encontra-se em franca expansão com novas aplicações como no tratamento paliativo da dor nos doentes com metastização óssea, no tratamento dos tumores derivados da crista neural, dos linfomas e mesmo nos gliomas de alto grau de malignidade.
A Sociedade Portuguesa de Medicina Nuclear dispõe de um site na internet (http://www.spmn.org) com informação detalhada sobre os fundamentos e aplicações clínicas da Medicina Nuclear. Na página “Público e Utentes” estão respostas relativas aos procedimentos de diagnóstico e terapêutica com radionuclídeos e radiofármacos.
Setembro 2017.
Por: Maria do Rosário Vieira
Directora do Serviço de Medicina Nuclear do Instituto Português de Oncologia de Lisboa de Francisco Gentil
Editora da Revista da Associação Europeia de Medicina Nuclear – “J. Nucl. Med. & Molec. Imaging”
Presidente da Direcção do Colégio da Especialidade de Medicina Nuclear da Ordem dos Médicos