Autor: Bernardo Miguel Morais Pereira, Interno de Formação Específica de MGF, USF Ruães (ACeS Cávado I – Braga)
O início da formação médica dá-se com o ingresso na universidade no curso de medicina. Após completar os seis anos do curso, que contempla mestrado integrado, o recém-formado médico obtém o título de mestre em medicina e está apto a inscrever-se na Ordem dos Médicos. A plena autonomia da profissão só é dada após realização e respetiva aprovação do ano de formação geral do internato médico, mais conhecido como “ano comum”. Posteriormente, a obtenção de grau de especialista exige mais um período de formação especializada com duração variável entre quatro a seis anos, dependendo da especialidade em questão. Ou seja, a formação e especialização médica pode contemplar um período de onze a treze anos até estar completa.
Apesar de ser morosa, a formação médica pré e pós-graduada tem forte impacto na saúde dos portugueses, uma vez que os médicos adotam competências humanas e técnico-científicas essenciais à prática de uma medicina baseada na evidência. Esta especialização é uma garantia de qualidade do Serviço Nacional de Saúde (SNS), muitas vezes elogiado internacionalmente por organismos como a Organização Mundial de Saúde (OMS) e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE).
Com a permanente necessidade de atualização científica e a crescente complexidade tecnológica verificada na medicina, a formação complementar pós-graduada, através de um processo de aprendizagem que é necessariamente gradual e individual, torna-se ainda mais importante. O acompanhamento e a integração de uma equipa de trabalho com colegas médicos mais experientes é crucial para a formação do médico, na medida em que, através da partilha de experiências, conhecimentos técnico-científicos e cuidados de humanização é possível ao jovem médico integrar os conceitos teóricos adquiridos durante a formação pré-graduada e entender a sua aplicabilidade prática nas pessoas/utentes/doentes. Para além disso, sabe-se que existe uma associação entre a menor formação médica e piores decisões clínicas, nomeadamente no que diz respeito a pedidos de exames auxiliares de diagnóstico de forma indiscriminada e a maior propensão a adoção de procedimentos invasivos sem uma clara indicação formal, resultando num inequívoco prejuízo para as pessoas e para o próprio sistema de saúde.
Apesar das inúmeras vantagens, a especialização médica tem sido sucessivamente desvalorizada com o crescente aumento do número de médicos sem nenhum período de formação complementar pós-graduada. No mais recente concurso para acesso a especialidade havia 2918 candidatos para apenas 1830 vagas, tendo ficado sem especialidade mais de 1000 jovens médicos. De acordo com as previsões, este número de médicos indiferenciados pode ultrapassar os 4400 já no ano 2021, caso não seja feito nada para alterar esta tendência. É urgente adequar os números clausus às capacidades formativas das escolas médicas para diminuir o número de excedentários e, com isso, reforçar o desincentivo à indiferenciação médica. Ou será que os responsáveis políticos querem caminhar para uma medicina sem especialização? No meu ponto de vista, indiscutivelmente, esse não será o melhor caminho.