Autor: Osvaldo Francês
COVID-19
«A Fame, peste et bello libera nos domine»
«As manifestações de peste parecem remontar à mais distante antiguidade e não só os Romanos que designaram por pestis a doença epidémica por eles considerada mais grave (pessimum), também no livro primeiro de Samuel – Antigo Testamento – encontramos uma primeira alusão aos bubões (sec. XIV a.c.)».1
Ao longo dos séculos há notícia de diversas epidemias, por vezes em cenário de guerra, piorando ainda mais a vida das populações.
O Imperador Cláudio II morreu no decorrer da chamada “Peste de Cipriano”, pandemia que terá ocorrido no século II a.d.
«Em Portugal registaram-se epidemias no reinado de D. Sancho I, em 1188 e em 1202. A primeira de que há noticia com característica de pandemia, aceite por diversos historiadores, foi a peste negra (pneumónica) de 1348 no reinado de D. Afonso IV, que atingiu a Europa entrando no nosso país em Setembro desse ano dizimando 9/10 da população.»1
Desde então a peste manteve-se endémica na Europa durante vários séculos.
A pandemia em que se vive actualmente, comparada com relatos das que ocorreram no passado, designadas como peste ou pestilências provocadas por bactérias ou vírus, tem características comuns naquilo que ao tratamento diz respeito, bem como às medidas tomadas para limitar o contágio.
«Veneza foi a primeira cidade a tomar medidas para se defender das suas investidas instituindo a quarentena e o isolamento em lazaretto fundado em 1403 na ilha de Santa Maria de Nazaré perto de Veneza pela ordem religiosa de S. Lázaro.»2
«O período inicial de isolamento era de um mês sendo posteriormente elevado para quarenta dias de onde derivou o nome de quarentena.»1
«A peste é endémica em certas regiões e manifesta-se a maior parte das vezes com caracter epidémico. Tudo leva a crer ter sido a Ásia o berço da peste, de onde as pandemias têm evolucionado para a Europa.»1
Convém esclarecer que naquele tempo a palavra peste ou pestilência usava-se para designar doenças infecciosas diversas, virais ou bacterianas.
Como exemplo refiro epidemias que até tiveram influência política e até “operacional” em alguns eventos.
A conquista de Granada no século XV teve a “ajuda” determinante de uma epidemia de tifo exantemático, uma rickettsiose, que grassou entre os sitiados.
O cerco de Lisboa pelos castelhanos nos finais do século XIV foi levantado devido ao um surto de peste bubónica que eclodiu entre as tropas de D. João I de Castela.
A expedição para a conquista de Ceuta em 1415 foi adiada devido a um surto de tifo exantemático que atingiu a rainha D. Filipa de Lencastre que acabou por falecer.
Em pleno século XXI continua-se a adoptar os métodos medievais do século XIV, quarentena e isolamento para mitigar o contágio generalizado e conter/evitar surtos epidémicos “explosivos”, além de medidas em que é fundamental a higienização das habitações das populações.
Nas ilhas do Porto, tal como nas casas de malta do sul, os operários e os trabalhadores eventuais dormiam à vez na mesma enxerga, em quartos partilhados, sem acesso a água corrente e saneamento básico situação que só melhorou muito recentemente para alguns “privilegiados” que podem tomar um banho depois de uma jornada de trabalho.
Ainda em meados do século XX, as estatísticas de higiene, das comodidades domésticas e das condições sanitárias das habitações em Portugal ainda podiam ser consideradas “calamitosas”.
Tomadas que têm sido as mais diversas medidas de salubridade, desenvolvimento cultural da população em geral, conhecimento científico da origem dos surtos epidémicos e cadeias de contágio, tal como em épocas pretéritas, as epidemias continuam a existir, como a que se verifica neste momento já declarada pandemia.
Factos importantes a assinalar foram as consequências catastróficas nos períodos pós-pandemias geralmente referidas pelos historiadores como fomes que atingiam as populações que tinham a “sorte” de escapar à peste.
Na actualidade esse período pode designar-se por contração da economia a que se assiste com as desastrosas consequências:
Aumento do desemprego, escassez de bens alimentares por suspensão da produção e distribuição são factos que, a não serem controlados, acabam na fome.
«A Fame, peste et bello libera nos domine» era a súplica das populações nas procissões.1
No tempo presente, facto indesmentível, é a afluência cada vez maior de pessoas que recorrem à ajuda do Banco Alimentar por ficarem sem ter o que comer, mesmo!
Não será muito diferente do que se ouve nos dias de hoje em que ainda vivemos “às escuras” no que concerne ao covid-19, forma de replicação, contágio, prevenção e tratamento.
Pandemias ocorridas já no século XX que atingiram grandes massas populacionais em que os argumentos de combate foram os mesmos que estão a ser utilizados agora neste século XXI: confinamento das populações atingidas para interromper cadeias de contágio até o vírus ou bactéria se “cansarem” e desaparecerem como aconteceu com a gripe “espanhola” de 1918, a poliomielite (enterovirus) dos anos 40 e 50, a chamada “gripe asiática” dos anos 60, a varíola de todas as épocas.
Estas últimas já se encontram sob “controlo” com a administração preventiva de vacinas eficazes.
Referências:
- História de Portugal de José Mattoso
- Grande Enciclopédia Portuguesa & Brasileira