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Homenagem

FERNANDO JORGE CHIOTTE TAVARES  (1936-2024)

O MÉDICO, O HUMANISTA, O MÚSICO, O ESCRITOR , O ALQUIMISTA...

O Dr. Fernando Chiotte Tavares para além de oftalmologista de renome e um dos pioneiros do Laser em Portugal era um ser humano polifacetado. Adaptava-se a qualquer ambiente por ter os dons da proximidade e da vontade de ajudar. No seu perfil definia-se como Chefe de Serviço em Oftalmologia do Hospital de Santa Maria ao qual esteve sempre ligado e como Oftalmologista do Hospital Universitário de Ghent na Bélgica, onde ampliou conhecimentos científicos e manteve regulares contactos e amizades.

Tive o privilégio de o conhecer para além da oftalmologia nessa busca incessante de entender a natureza humana, feita de confidências numa perspectiva mais abrangente filosófica e também literária. Fizemos ambos parte da SOPEAM. Caracterizava-o uma inquietação boa, uma atitude de questionamento e também um desejo de romper com o estabelecido, se o mesmo se lhe afigurasse caduco. Um inovador, por assim dizer. Nem sempre o criativo ou inovador é bem entendido como diz o seu amigo e colega António Lobo Antunes.

E ele era um homem curioso que se distinguia da mediania. Sem certezas absolutas, o que o tornava tão inteligente e interessante. E perguntava a nossa opinião mesmo em oftalmologia apesar de ser uma espécie de patrono para nós, muito sabedor que respeitávamos e admirávamos. Em momentos menos efusivos dizia com graça, por o considerarmos um homem alegre e divertido, “a alegria é uma coisa muito séria, a mais séria do mundo”, parafraseando Almada.

Na literatura mostrava-me partes dos livros que escrevia e discutíamos as ideias neles expressas, o que motivava extraordinárias conversas e demonstrava o seu espírito de partilha. E tive o prazer de apresentar um dos seus livros, o seu segundo filho-livro “Soltem-se as amarras”.

Gostava igualmente de saber a opinião de pessoas da área da pintura sobre os seus quadros. Um dia fui a casa do Dr. Fernando Chiotte com a minha irmã e cunhado para que opinassem sobre a sua obra, por serem respectivamente escultora e pintor. Elogiaram o seu talento e ele felicíssimo. Depois a minha irmã fez uma exposição em Lisboa e ele foi o convidado a comentar a obra, numa intervenção brilhante.

Tínhamos uma amizade e cumplicidade que ultrapassavam as fronteiras directas da oftalmologia. Somos seres interdisciplinares, como ele dizia a sorrir.

Para além de me ter ensinado os primeiros passos da angiografia e fundamentos do laser no internato, quando regressei de Genebra onde estagiei, já especialista pedi para ficar no seu departamento durante cerca de um ano. Ampliou-se ainda mais uma amizade feita de bondade e compreensão pelo outro.

Nas últimas conversas, falava que estava cego. Uma ironia num oftalmologista. Tinha saudades de escrever e pintar. Eu dizia-lhe que as conversas também são quadros e folhas de livros, que o nosso pensamento exprime e exporta ao mundo. Parecia concordar no seu sorriso um pouco mais fechado e talvez tristonho.

E eu insistia,

- Os seus livros e as suas pinturas são o que a sua vida representou para todos nós.

Uma geração de jovens oftalmologistas, a aprender consigo, entusiastas que gostavam de ver para lá da aparência das coisas e de o ouvir tocar jazz, mesmo nas consultas para relaxar a mente, ou fazer um hiato na ciência.

- Hoje andei a reler livros seus Dr. Chiotte. A Cova do lobo, Soltem-se as amarras, O fechar do círculo, Gostaria de morrer naquela noite.
Foi o Dr Chiotte que me apresentou ao editor do meu primeiro livro, lembra-se?
Os esgares e sorrisos, aquele em que ganhei um prémio. Vá para a frente, dizia. Gosto muito do que escreve! Ficámos sempre amigos e cúmplices, mesmo quando não nos víamos. Sabíamos que queríamos o melhor para o outro. Aquele sentir superlativo. Fica a enorme saudade neste fechar do círculo.

Quando olhei o livro “O fechar do círculo” com um bonito quadro seu, de repente compreendi o porquê do título da pintura que escolheu para a capa do mesmo, “Vulnerabilidade”. Lembrei-me da conversa sobre os sentidos da vulnerabilidade, adjectiva mas também substantiva indelével e comum a todo o ser humano. E até me comovi pela escolha do quadro para a capa do livro, como que a exortar-nos à proximidade ao outro, frágil. Capaz de ser ferido.

Um amigo que perdemos e que vai fazer muita falta - pensei e fiquei com o branco do olho húmido. E com muita tristeza, Dr. Chiotte.

Mas também alegria por saber que foi alguém que viveu bem, um homem cheio de vida, diversificada em saberes, que sabia o que era a amizade verdadeira e consciente da vulnerabilidade do ser humano. Que se adaptava a qualquer ambiente. Depois lembrei a frase que escrevi no livro colocado à porta da igreja neste dia 26 de dezembro de 2024, logo a seguir ao Natal.

Nem sei bem onde a li, certamente foi ela que veio ter comigo naquele momento confuso. Depois de a escrever senti uma espécie de paz interior. “A coisa não está nem na chegada nem na partida. A coisa está é na travessia”.
E que bela travessia meu querido amigo.

Um texto da autoria de Leonor Duarte de Almeida In memória de Fernando Chiotte Tavares.

Datas
Nome completo:  FERNANDO JORGE CHIOTTE TAVARES
Nome clínico:  F. J. CHIOTTE TAVARES
Cédula profissional: 11489
Especialidade:  OFTALMOLOGIA
Data de nascimento: 11/11/1936
Data de Inscrição na OM: 26/09/1968
Data de Formatura: 09/08/1968
Faculdade:  UNIVERSIDADE DE LISBOA
Data de falecimento: 26/12/2024 

Nota: a OM assegura aos herdeiros os direitos de acesso, retificação e apagamento destes dados pessoais.

 

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