Autor: Jessica Tavares, Médica Interna de Medicina Geral e Familiar, USF Entre Margens, ACeS Entre Douro e Vouga II – Aveiro Norte.
Esta é uma reflexão sobre as implicações associadas ao consentimento informado. Visa relembrar a importância da sua aplicação em toda a atividade clínica diária, com enfoque na Medicina Geral e Familiar.
O consentimento informado vem sendo aplicado cada vez mais, de forma sistemática na prática clínica diária e deve ser respeitado independentemente do ato para o qual é pedido.
Trata-se da autorização dada pelo adulto capaz de o dar ou o seu representante, para a realização de determinado cuidado de saúde, seja este qualquer ato médico, exame complementar de diagnóstico, participação em investigação ou ensaio clínico1. O consentimento informado, livre e esclarecido, pressupõe, assim, que o utente fique elucidado quanto ao procedimento, riscos e benefícios associados, vantagens e desvantagens das várias alternativas disponíveis2. Para todo e qualquer ato médico, o consentimento é sempre necessário, salvo exceções em caso de urgência ou quando a lei dispõe do contrário (Lei de Saúde Mental ou exames médico-legais no âmbito do processo penal).
É de assinalar que o consentimento é revogável em qualquer altura, não reduzindo o nível de responsabilidade na execução dos atos consentidos (Constituição da República Art. 25º. Direito à integridade pessoal). É o respeito pela autonomia do utente, sendo que o adulto é considerado capaz de consentir até prova em contrário. O titular do direito à informação é o utente, sendo que este é o pressuposto de um consentimento informado necessário para satisfazer o direito à autodeterminação nos cuidados de saúde2.
O código deontológico da Ordem dos Médicos é bem explícito no dever destes a informar e a esclarecer, também contemplado no código penal art.157.º. A informação deve ser transmitida de forma adaptada às características do doente, para que esta se torne compreensível, utilizando uma linguagem acessível, não técnica e tendo em conta as emoções e o nível cultural3. O profissional de saúde responsável pelo tratamento/intervenção em causa deve ser, preferencialmente, o mesmo que transmite a informação de forma clara e objetiva1.
O consentimento informado pode ser expresso de forma verbal oral ou escrita4, ou por outro meio direto de manifestação de vontade2. A base da Medicina Geral e Familiar (MGF) assenta diariamente no consentimento presumido contemplado no artigo 39º do código penal. Na prática clínica de MGF, são fundamentalmente quatro os momentos em que o consentimento escrito se torna obrigatório: colocação de dispositivos anticoncetivos subcutâneos ou intrauterinos, gravações de pessoas em fotografia ou suporte áudio ou audiovisual; administração de gamaglobulina anti-D, colheita cervicovaginal para rastreio do cancro do colo do útero, no âmbito do programa SiiMA® rastreio (analisado no IPO)4.
Quando se propõe algum ato terapêutico ou preventivo, este tem como pilar fundamental a beneficência e não maleficência.
A maioria dos utentes, mesmo que autónomos nas suas decisões, têm por regra confiar no raciocínio clínico do seu Médico de Família, nem sempre satisfazendo cabalmente as suas curiosidades ou esclarecendo as suas dúvidas. Nesse contexto, diz-nos a experiência que muitos deles dispensam a leitura do documento, tão pouco escutam a informação. Apenas se limitam a ouvi-la e assinam sem qualquer juízo crítico, tendo em conta um consentimento presumido que vem guiando a maioria dos atos médicos.
Com a mudança de paradigma em relação a muitos procedimentos, dando-se como exemplo o rastreio teledermatológico, na ARS Norte existe, inclusivamente, um documento para ser aplicado na gravação de imagens em fotografia ou vídeo. Estarão todos os pressupostos a ser cumpridos? O original deve permanecer no processo clínico e o duplicado entregue à pessoa que consente, elucidando que a autorização pode ser retirada em qualquer altura, sem que isso cause qualquer prejuízo ou afete os cuidados a prestar à pessoa. Estará a ser recolhido o consentimento escrito de todos os utentes a quem se grava a fotografia ou, por vezes, apenas se obtém o consentimento verbal oral? Trará isso algum prejuízo para o utente? Idealmente, deveriam ficar apensas ao processo digital para estudo comparativo e memória futura, como forma de seguimento do doente.
Os formulários podem propiciar uma ocasião para a comunicação com o utente, embora a sua assinatura possa ser reduzida a uma simples formalidade desacompanhada de verdadeiras intenções3. A transformação da prática do consentimento informado num mero formalismo burocrático dá aos médicos uma falsa sensação de cumprimento da sua obrigação. Do ponto de vista jurídico, a existência de formulário de consentimento não prova que o consentimento informado foi praticado, bem como não diminui a responsabilidade por atos que causem danos à vida, integridade física e moral ou à saúde das pessoas.
Dada a enorme relevância e respetivas implicações a nível ético e legal, o consentimento informado deveria, de alguma forma, transitar informaticamente para o processo clínico digital.
Assim, os consentimentos escritos devem ser suportados por uma prática sistemática de registos nos respetivos processos clínicos. É necessária uma correta perceção da importância do consentimento informado e de tudo o que esse exige, por parte dos profissionais de saúde e das instituições, para uma correta execução deste processo, que é contínuo. O bom senso e juízo técnico do médico são o que se pensa ser a única garantia da boa aplicação das regras aos casos concretos.