+351 21 151 71 00

O método clínico centrado no paciente, Carl Rogers e a era da telemedicina

Autor:
Augusto Luís Nogueira
Médico interno de Formação Específica em Medicina Geral e Familiar, USF Reynaldo dos Santos, ACeS Estuário do Tejo;
Psicólogo clínico, membro efectivo da Ordem dos Psicólogos Portugueses.

Resumo:
O método clínico centrado no paciente e o papel de McWhinney para o mesmo será conhecida da maioria de nós, familiarizados com a área da medicina geral e familiar. A contribuição deste, e a influência nos anos 60 de Michael Balint na medicina baseada no paciente e na valorização da relação médico-doente, perdura até aos dias de hoje. No entanto, o método clínico centrado no paciente (ou cliente, na nomenclatura vigente na corrente humanista da psicologia) teve o seu início na década de 50, pelas mãos do psicólogo Carl Rogers. A nova era da telemedicina apresenta desafios e oportunidades a esta abordagem.

 

 

Artigo:
Os cuidados centrados na pessoa são uma das competências nucleares dos médicos de família, tal como definido pela WONCA. Vários estudos1,2,3 associam a medicina centrada na pessoa a melhores resultados em saúde e para os utentes, nomeadamente uma maior satisfação com os cuidados de saúde, uma melhoria do seu estado emocional, um maior empoderamento e uma maior adesão à terapêutica, existindo igualmente evidência científica4,5 que associa esta abordagem a um menor recurso aos cuidados de saúde e a uma diminuição dos custos económicos associados.

A psicologia humanista, liderada nos anos 50 por Carl Rogers, apresentou um impacto significativo e indelével na medicina. Antes de McWhinney e Balint, Carl Rogers desenvolveu o método clínico centrado no paciente, que enfatizava a importância de uma abordagem holística, sistémica e personalizada, promovendo a autonomia, o respeito e a dignidade. Era realçada a relevância da empatia, da escuta activa, da aceitação do outro e da autenticidade na relação terapêutica6. Os clínicos que utilizassem este método tinham em conta as necessidades, preocupações, valores e objectivos dos seus pacientes. Transformava-se desta forma a dinâmica da relação terapêutica, iniciando um caminho de maior autonomia, responsabilização e empoderamento do paciente, num espírito cada vez mais colaborativo e menos paternalista, colocando o paciente como agente activo da mudança. Na área da medicina, a visão focada na patologia deu origem a uma outra da saúde como um todo, apostando-se na prevenção das doenças e na ideia do paciente como um ser biopsicossocial.

Os médicos, de uma forma geral, não são bons ouvintes. Vários estudos7,8,9 mostram interrupções frequentes ao discurso do paciente durante a consulta, embora este fenómeno tenha melhorado, e sejam obviamente conhecidos de todos nós os condicionamentos existentes ao contexto das consultas e à sua duração. Não obstante estas limitações, recupero excertos (em tradução livre) do texto original de Carl Rogers, que captam algumas das suas ideias acerca da importância da escuta activa e da empatia como promotora do processo de mudança terapêutica: “Sou agora muito mais sensível aos tempos em que as minhas emoções e a minha fadiga me tornaram um mau ouvinte, já que considero que a minha dor interior e ansiedade, mesmo suprimidas, interferiram com a minha capacidade de realmente escutar o outro.” (Carl Rogers, 1980, p.45)10 e “Este tipo de escuta activa e sensível é extremamente rara nas nossas vidas. Pensamos que ouvimos, mas raramente escutamos com genuína compreensão e verdadeira empatia. Todavia, esta forma especial de escuta é uma das forças mais potentes para a mudança que eu conheço” (Carl Rogers, 1980, p. 135)10.

Na altura, o método clínico centrado no paciente proporcionou um impacto significativo na transformação da comunicação entre clínico e paciente, e passou a ser visto como essencial para o sucesso do tratamento, persistindo desde essa fase uma preocupação com a qualidade da comunicação e da relação terapêutica.

A popularidade crescente da telemedicina pode tornar esta abordagem clínica ainda mais relevante. A telemedicina, embora uma ferramenta útil, torna mais difícil para os médicos perceberem as necessidades dos pacientes. A falta de interacção pessoal pode dificultar a comunicação e o estabelecimento de uma relação empática e genuína.

Com os desafios desta nova era, também surgem oportunidades e a telemedicina é uma forma de entrar no mundo do paciente e de melhorar o acesso aos cuidados de saúde, permitindo acompanhar patologia crónica à distância, bem como aspectos da saúde mental para além do contexto da consulta.

Este método clínico pode ser utilizado na telemedicina através da inclusão de perguntas abertas e da promoção da escuta activa. O facto de o paciente se encontrar no seu contexto poderá facilitar uma maior abertura para discutir algumas das suas preocupações (não partilhadas no consultório), e para elaborar de outra maneira as suas prioridades de saúde e a sua agenda, estimulando a que este tome iniciativa pelos seus próprios cuidados de saúde e desta forma possibilitando a melhoria da relação terapêutica e eventualmente da adesão ao tratamento.

A telemedicina pode ajudar a derrubar as barreiras no acesso aos cuidados de saúde, revelando-se uma oportunidade de evolução destes cuidados, cada vez mais personalizados, abrangentes e holísticos, num mundo eminentemente tecnológico.

Referências bibliográficas:

  1. Stewart M, Brown JB, Donner A, et al. The impact of patient-centered care on outcomes. J Fam Pract. 2000;49(9):796-804;
  2. Stewart M, Brown JB, Weston WW, Freeman TR. Patient-centered Medicine: Transforming the Clinical Method. 2nd ed. United Kingdom: Radcliffe Medical Press; 2003;
  3. Little P, Everitt H, Williamson I, et al. Observational study of effect of patient centredness and positive approach on outcomes of general practice consultations. BMJ. 2001;323(7318):908-911;
  4. Pirhonen L, Gyllensten H, Olofsson EH, Fors A, Ali L, Ekman I, Bolin K. The cost-effectiveness of person-centred care provided to patients with chronic heart failure and/or chronic obstructive pulmonary disease. Health Policy Open. 2020, May 12;1:100005. doi: 10.1016/j.hpopen.2020;
  5. Pirhonen L, Gyllensten H, Fors A, Bolin K. Modelling the cost-effectiveness of person-centred care for patients with acute coronary syndrome. Eur J Health Econ. 2020 Dec;21(9):1317-1327. doi: 10.1007/s10198-020-01230-8;
  6. Rogers, CR (1980). A way of being. Houghton Mifflin, Boston;
  7. Beckman HB, Frankel RM. The effect of physician behavior on the collection of data. Ann Intern Med. 1984;101(5):692-696. 10.7326/0003-4819-101-5-692;
  8. Marvel MK, Epstein RM, Flowers K, Beckman HB. Soliciting the patient’s agenda: have we improved? JAMA. 1999;281(3):283-287. 10.1001/jama. 281.3.283;
  9. Singh Ospina N, Phillips KA, Rodriguez-Gutierrez R, et al. Eliciting the patient’s agenda–secondary analysis of recorded clinical encounters. J Gen Intern Med. 2019;34(1):36-40. 10.1007/s11606-018-4540-5;
  10. Rogers, CR. A theory of therapy, personality and interpersonal relationships as developed in the client-centered framework. In: Koch S, editor. Psychology: a study of a science. Vol. 3: Formulations of the person and the social context. New York: McGraw-Hill; 1959. p. 184-256.