Homenagem
Ao comemorarem-se 110 anos do nascimento deste ilustre anatomo-patologista JOÃO de OLIVEIRA CAMPOS, que foi diretor de serviço dos Hospitais Civis de Lisboa durante 21 anos, que tem uma prestigiosa biografia e uma valiosa bibliografia, aliado ao facto de que sou seu familiar, decidi homenageá-lo numa conferência que ocorreu na Sociedade Geografia de Lisboa no passado dia 27 de Setembro.
O título da conferência foi difícil de escolher, mas dado que foram editados alguns livros sobre os HCL, sobre a medicina Portuguesa, artigos de opinião sobre a anatomia patológica e ninguém fala dele mesmo quando são abordados os colegas da época, decidi que seria:
JOÃO de OLIVEIRA CAMPOS – “O ANÁTOMO PATOLOGISTA ESQUECIDO”
Nos seus dados biográficos, destacamos que nasceu no dia 07/06/1908 na vila de Alcantarilha, concelho de Silves e era filho de Alfredo Reis Campos e Maria Teresa Oliveira Campos.
Veio para Lisboa aos vinte anos e decidiu estudar Medicina; para isso nos anos 1928 e 1929 cursou as cadeiras especiais de Zoologia, Botânica, Física e Química tendo obtido 14 valores nas 4 cadeiras.
No ano seguinte, inicia o 1º ano do Curso de Medicina na Cadeira de Anatomia Descritiva e foi aprovado com 14 valores. Requereu” bolsa de estudo”e foi-lhe concedida durante todo o curso.
Nos outros 4 anos seguintes tem aprovação em todas as 18 cadeiras, e em 6 delas é classificado com 20 valores.
Colocamos aqui imagens que retratam as folhas da sua Caderneta Escolar, onde se observam as classificações de 20 valores nas 3 cadeiras do 3º ano do curso.
As outras 3 notas de valores foram obtidas nas cadeiras de Patologia e Terapêutica Cirúrgica, Sifiligrafia no 4º ano e Oftalmologia no 5º ano.
Conclui em 1934 o Curso de Medicina com a classificação final de 18 valores com Muito Bom, com distinção.
Com estas altas classificações de 20 valores passa a ser conhecido no meio académico / escolar como o “médico dos vintes”
No seu “Livro de Curso” é bem retratada a sua figura, a sua personalidade, a sua inteligência e o seu saber.
Em 1934 após a conclusão do curso é nomeado Preparador da Cadeira de Propedêutica Médica e no final do mesmo ano é designado Ajudante do Laboratório de Anatomia Patológica da F.M.L.
Dentro dos seus dados biográficos realçamos a nomeação de Assistente de Patologia no I.P.O. de Lisboa até 1937, data em que foi depois nomeado Prossector de Patologia no mesmo Instituto até 1940.
Durante os anos de serviço no I.P.O. são-lhe conferidos prémios pelos trabalhos publicados em 1838 e 1839.
Em 1938 foi Bolseiro pelo Instituto de Alta Cultura no Instituto de Anatomia Patológica da Universidade de Genebra – Switzerland, dirigido pelo Prof. Max Askanazy, figura de renome internacional.
Em 1898 foi o 1º cientista a descrever as Células de Hurtle
Foi o 1º a fazer a correlação da Osteíte fibrosa Quística com os tumores da Paratiroide
Em 1921 fez a descrição dos corpos de Schaumann e descreveu os tumores gástricos carcinóides
Esta bolsa foi-lhe atribuída pelas qualidades de trabalho, saber, inteligência, idoneidade científica e trabalhos já publicados que os Professores Dr. Fausto Lopo de Carvalho, Henrique Parreira atestaram.
Também o Prof. Francisco Gentil atestou, e às qualidades já mencionadas, referiu as várias classificações de 20 valores, entre as quais a de Anatomia Patológica, e que tinha sido o primeiro nome indicado ao diretor da FML para Bolseiro no estrangeiro.
O estágio que realizou na Universidade de Genebra, Switzerland, foi de utilidade valiosa, permitindo-lhe adquirir mais saber, métodos de trabalho, assistência a cursos específicos de Anatomia Patológica e demonstração de peças anatómicas e ser incentivado a continuar publicações científicas, que um laborioso trabalho sobre “Leucemias mieloblásticas com manifestação tumor” e que foi depois publicado no I.P.O. de Lisboa.
O relatório abaixo mostra o modo de trabalho que praticou no Instituto em Genebra:
Em Março de 1941, após concurso público é nomeado Assistente de Anatomia Patológica da F.M.L. e no ano seguinte, esta nomeação é alargada à cadeira de Patologia Geral.
Desde essa data e até 1948 trabalha no Serviço de Anatomia Patológica do Hospital de S.José sob a direcção do Dr. Azevedo Neves.
Concomitantemente desempenha funções de Assistente de Anatomia Patológica no Instituto Maternal Dr. Alfredo da Costa.
Em 1948 assume o cargo de Director do Serviço de Anatomia Patológica do H.S.José.
Durante 21 anos – 1948 / 1969 – dirige o serviço de Anatomia Patológica no H.S. José.
Na sua bibliografia realçamos os inúmeros trabalhos, cerca de 50,
número excepcional para a época, e que devia ter constituído estímulo aos colegas.
Começa a publicar em 1937 com 2 trabalhos publicados, um no Jornal da SCML (Reticulo-sarcomas), outro no Arquivo de Patologia do I.P.O.(Tumores de Kaposi)e termina em 1966 com um caso de (Neurofifromatose Intestinal – Cirurgião Dr. Gomes Rosa).
Dada a extensa lista de trabalhos publicados, vamos apenas mencionar dois casos publicados em revistas: um raro, (Tolurosis) considerado o 1º em Portugal e o outro idêntico a um publicado na revista de Ginecologia e Obstetrícia francesa em 1955 sobre a patogenia da Sinéquia endo-uterina tuberculosa.
Os trabalhos que publicou, aliados ao volumoso trabalho desempenhado pelo Serviço de Anatomia Patológica do H.S. José, e com as suas directrizes vão incentivar e permitir a formação de especialistas nesta área, que irão ser fundadores dos serviços em outros Hospitais de Lisboa, nomeadamente no H.Curry Cabral, no H.Stª Marta e H. Stª Cruz; numa palavra deixou escola a partir dos anos 70.
A sua biografia e bibliografia tão ricas devem ter servido de exemplo para as gerações vindouras.
Estamos perante um homem sabedor, inteligente, trabalhador, de forte carácter e personalidade, altamente reconhecido no seu meio em Portugal e no estrangeiro, nos anos 50 e 60 anos, e que foi esquecido pela sua classe.
Foi este esquecimento que os seus colegas especialistas e os médicos em geral, me obrigou como seu familiar, – o meu avô materno era irmão da sua mãe – (sou 2º primo) a redigir este texto e a fazer a conferência “In memoriam”.
Durante os meus 1ºs anos de aluno de Medicina, ainda tive o privilégio de ter contactos em família, receber aulas no cadáver no Hospital de S. José e incentivos para pensar em: “querer ser cada vez melhor”.
Como recordação académica tive o privilégio de me ter oferecido o Tratado de Histologia e Anatomia Microscópica, em dois volumes, e autografado pelo autor Prof. Augusto Celestino da Costa.
Como recordação familiar, e dado que a doença não ia permitir estar presente no meu casamento, ofereceu-me um objecto de prata gravado com o emblema da Medicina.
O seu nome e a sua fama marcou a sociedade da época, e alguns colegas cirurgiões mais idosos, quando me encontravam perguntavam-me se era familiar do homem dos 3 vintes, ao que eu respondia: sou mas ele teve 6 vintes.
João de Oliveira Campos, além do seu saber científico, era um homem muito culto e tinha dois hobbies: um em que amava a arte em pintura– a sua casa tinha quadros de bons pintores e valiosos, o outro era possuir automóveis de marca “ Porsch e MGB GT” além dum “Taunus “para passear a família.
A sua passagem por este mundo foi muito veloz, e aos 62 anos deixou de estar entre nós, no dia 5 de Março de 1970.
Ele costumava dizer-me:
“ A medicina deveu e deve muito ao cadáver”
E presentemente nós dizemos: “em medicina, os melhores compêndios para estudo são os doentes e os cadáveres”.
Termino com um agradecimento e com um poema:
Birago Diop – médico veterinário e poeta senegalês
Os que morreram não se retiraram
Eles viajam na água que vai fluindo
Eles são a água que dorme
Os mortos não morreram
Eles escutam a voz da água
Eles escutam os vivos e as coisas
Texto de João Fortuna Campos
Datas
Nome clínico: JOÃO DE OLIVEIRA CAMPOS
Especialidade: ANATOMIA PATOLÓGICA, PATOLOGIA CLÍNICA
Data de nascimento: 7/06/1908
Natural de LISBOA
Data de Formatura: 20/07/1934
Faculdade: UNIVERSIDADE DE LISBOA
Data de falecimento: 5/03/1970