Homenagem
Memórias de Manuel Mendes Silva, o bacteriologista das salmonelas[1]
O meu tio e padrinho, Manuel Mendes Silva, foi um ilustre bacteriologista em Lisboa no fim do 2º e no 3º quartel do século XX, unanimemente respeitado e reconhecido, sabedor e investigador sobretudo na área das salmonelas. Todavia, apesar dos seus conhecimentos e capacidades, pela sua timidez, modéstia, rigorosa honestidade, apesar dos muitos reconhecimentos dos mestres, colegas e colaboradores, dos numerosos amigos, não seguiu a carreira universitária, não brilhou no firmamento socio-profissional, e hoje está praticamente esquecido. Tendo a maioria dos seus contemporâneos já desaparecido, tendo desaparecido também o Instituto Bacteriológico Câmara Pestana, com dificuldade tentei coligir algumas memórias e testemunhos, pessoais, familiares e profissionais, para que ficasse um depoimento sobre uma personagem, modelo de competência e seriedade, que influenciou a bacteriologia portuguesa da época, depoimento esse que pudesse ser dado a conhecer aos colegas, nomeadamente bacteriologistas, de hoje e de amanhã.
Manuel Mendes Silva nasceu em Lisboa em 12 Outubro de 1911 e morreu também em Lisboa em 15 de Julho de 1972, com 61 anos. Terceiro filho de Jorge Marçal da Silva, médico-cirurgião, fotógrafo e melómano amador e de Irma Leite Mendes (Silva), viveu com a família paterna e posteriormente com sua mãe na zona de Arroios até a casa onde viviam ter sido vendida por problema estrutural, e nessa altura se casar, tarde, no início dos anos 60, indo então residir em Alvalade até morrer.
Completou o curso complementar de ciências no liceu Passos Manuel em 1929 como um aluno mediano, inscrevendo-se na Faculdade de Medicina em Setembro de 1932, após os “preparatórios”. No livro do V ano médico, 1937-38, dele consta: “… Come apenas de quinze em quinze dias, Parece um “frangainho” depenado… Quando foca no micro, com cuidado, Imagens de micróbios, que alegrias! Pula e salta como as cotovias, E dança, canta e grita, bate o fado! Aluno é distinto, e com razão, Embora no bigode, a comichão, Não o deixe por vezes trabalhar…”, pelo que, sendo já bom aluno, cedo se interessou pela bacteriologia. Foi colega de curso de alguns nomes grandes da medicina portuguesa como Jaime Celestino da Costa, João Mirabeau Cruz, José Neto Rebelo, José Nobre Leitão, Lopo Cancela de Abreu, Pedro Polónio, Francisco Norton Brandão, de quem foi particular amigo, entre muitos outros nomes. Ainda antes da conclusão da licenciatura em Medicina e Cirurgia com 16 valores e do Curso de Medicina Sanitária com 17 valores, foi convidado em 1937 pelo Prof. Nicolau de Bettencourt, Director do Instituto Bacteriológico Câmara Pestana (IBCP) e por Cândido de Oliveira, na altura ainda não doutorado mas futuro Professor Catedrático da Cadeira de Bacteriologia e por inerência Director do Instituto Bacteriológico Câmara Pestana, para seu colaborador e assistente voluntário no Instituto, passando a efectivo em 1938-39.
No Instituto Bacteriológico Câmara Pestana, que era uma instituição anexa à Faculdade de Medicina com quadro e estatutos próprios (como, na altura, o Instituto Oftalmológico Gama Pinto), [2]desenvolveu o estudo, trabalho laboratorial e investigação bacteriológica. Era assistente do Prof. Cândido de Oliveira [3]e desde 1943 Subchefe de Serviço (médico) no IBCP, passando, por nomeação, a Chefe de Serviço (médico) em 1963.[4] Trabalhou no IBCP juntamente com Luís Figueira e Alberto Bettencourt, mais antigos e outros assistentes ou médicos do quadro que entraram simultânea ou posteriormente como Manuel Nazaré, Correia Mendes, Fernando Nogueira, Júlio Machado Vaz, Manuel Reimão Pinto, Morais David, António Filipe, Artur Torres Pereira, Carvalho Araújo, Amorim Cunha, Monteiro da Costa (veterinário), Luís Ribeiro no BCG, João Carvalho de Sousa na virologia, e mais tarde Evaristo Ferreira, Hugo David e Odete Ramalho, entre outros. No início de carreira teve também uma breve passagem pelos Hospitais Civis de Lisboa em 1944, como médico analista bacteriologista no Hospital Curry Cabral, onde foi, continuando o convívio já anterior no IBCP, colaborador e discípulo do Professor Fernando Fonseca. Era muito estudioso, muito bem preparado na teoria e igualmente na prática, muito rigoroso, sério e honesto em todo o seu trabalho, embora sempre muito reservado. Era considerado o mais sabedor e competente bacteriologista do Instituto Câmara Pestana, ficando a ser o suporte/braço direito do Prof. Cândido que era muito culto e dava aulas brilhantes mas dele dependia na experiência prática. O Prof. Cândido convidou-o a doutorar-se e a fazer carreira académica, mas ele, por modéstia e feitio, não aceitou, pois “queria o saber para saber e não o saber para subir”, enveredando Torres Pereira, que muito lhe devia e o admirava, como sempre reconheceu, por essa carreira universitária, chegando a Professor Catedrático, Director do IBCP, Director da Faculdade de Medicina e Reitor da Universidade. Aspectos profissionais motivaram, todavia, posteriormente, alguns mal entendidos entre eles que por vezes distanciaram relações.
Manuel Mendes Silva fez um trabalho intenso teórico e prático de laboratório e investigação em vários ramos da bacteriologia mas sobretudo com salmonelas, dele beneficiando muitos colaboradores e colegas de que são de realçar o próprio Prof Cândido de Oliveira e os futuros Profs Artur Torres Pereira e Júlio Machado Vaz, do Porto, muito seu amigo e admirador até ao final da vida, para além de outros colegas como Fernando Nogueira, também seu particular amigo, Manuel Nazaré, Manuel Reimão Pinto, Amorim Cunha, Carvalho Araújo, Leal da Costa, Maria José Salgado, Judite Esteves, Maria Albertina Proença, entre muitos outros que beneficiaram do seu saber, da sua experiência, dos contactos, conhecimentos e amizades que tinha no país e no estrangeiro. Era considerado a autoridade nacional em salmonelas e era ele quem possuía, no Instituto, a maior bateria nacional de soros e reagentes para classificação de salmonelas, num Centro de Referência de Salmonelas e Shigelas, por ele dirigido. Teria isolado pela primeira vez, mesmo a nível internacional, pelo menos uma estirpe de salmonela. Havia no Instituto uma colecção de culturas bacteriológicas, nomeadamente de salmonelas, secção a cargo de Manuel Mendes Silva, em que a preparadora Alda Guimarães trabalhava meios de cultura, liofilizava estirpes, arrumava e catalogava, sendo reconhecida na época essa colecção de Salmonelas.[5] Todavia, como se disse, não guardava para si o saber, pois acolhia bem as pessoas que se interessavam e que queriam aprender, mostrando-lhes simpatia apesar de alguma distância, e explicava tudo muito bem, bacteriologia, meios de cultura, soros e reagentes, etc. Segundo testemunhos unânimes, aprendia-se muito com ele, tendo ajudado muitos colegas, orientado vários estágios e contribuído para teses de doutoramento, como as dos Professores Fernando Nogueira, Norton Brandão, Carvalho Araújo e Leal da Costa. Para além dos colegas atrás citados, e de outros colaboradores ou voluntários, não se podem esquecer os nomes das técnicas de laboratório/preparadoras Alda Guimarães (“mãe” Alda…) e Maria Estefânia Câncio que o ajudavam no trabalho laboratorial, com quem ele também muito conversava.
Parte do trabalho que realizou, sobretudo no início de carreira, foi publicado na prestigiada revista do Instituto, “Arquivos do Instituto Bacteriológico Câmara Pestana”, onde habitualmente era publicada a actividade do Instituto e também alguma da actividade bacteriológica portuguesa, para além de eventual divulgação noutras publicações. Todavia, muito do seu trabalho prático diário não foi por ele publicado sendo voluntariamente partilhado com outros. Neste contexto de publicações e arquivo é de referir a bibliotecária do IBCP, Isabel Moura, no excelente trabalho de catalogação, arquivamento e conservação do espólio notável da Biblioteca do Instituto. Ele próprio, Manuel Mendes Silva, tinha também uma boa biblioteca pessoal de livros e revistas que foi doada em 1972, após a sua morte, pela viúva, ao Serviço de Bacteriologia do Hospital de Santa Maria.[6]
Em 1951 houve um episódio no Hospital da CUF, inaugurado pouco tempo antes, em 1945, como uma unidade assistencial de referência possuindo um corpo clínico de valor e uma prestigiada revista de divulgação médica, a “Gazeta Médica”. O caso foi muito badalado na época, houve mortes, tendo sido deslindado por José Cutileiro, epidemiologista e assistente de Higiene da Faculdade de Medicina, por provável sugestão de Fernando Fonseca e/ou Pulido Valente, consultores no Hospital. Tratava-se de uma toxi-infecção por ovos contaminados, e a bactéria, uma Salmonella typhi murium (?) teria sido isolada por Manuel Mendes Silva.
Em 1953 abriu o Hospital de Santa Maria (HSM) como Hospital Escolar. O laboratório bacteriológico do HSM “nasceu” do laboratório do Instituto Bacteriológico Câmara Pestana. O Prof. Cândido de Oliveira, com residência no IBCP, após um breve período como Director, passou em 1954 a Chefia da Bacteriologia (chefe de laboratório) e interinamente em 1956 a Directoria do Serviço de Análises Clínicas do HSM a Manuel Mendes Silva (número mecanográfico activo 266, Ex 5448), seu colaborador mais antigo, que todavia continuava, em acumulação, como Subchefe de Serviço e a partir de 1963 como Chefe de Serviço no Instituto Bacteriológico Câmara Pestana. Acompanhavam Manuel Mendes Silva no HSM Torres Pereira e Carvalho Araújo, assistentes de Cândido de Oliveira no IBCP. Nas análises clínicas Manuel Mendes Silva, para além da Direcção do Serviço, dirigia o sector da Bacteriologia e Serologia, Fernando Barros o sector da Bioquimica e Francisco Crespo o sector da Hematologia. Na Direcção do Serviço, que ocupou por concurso de forma efectiva em 1959, Manuel Mendes Silva, todavia, não se impunha, queixando-se de falta de autoridade em desabafos com amigos. No HSM ele tinha sobretudo funções de direcção, coordenação, administração e formação dos colegas mais novos e também de preparadoras, dedicando-se no IBCP ao exercício e à prática da bacteriologia e à investigação. Em 1960 foi-lhe atribuído público louvor pela dedicação e competência com que dirigiu interina e graciosamente o serviço de Análises Clínicas do Hospital de Santa Maria. Um exemplo da seriedade de Manuel Mendes Silva, que por vezes lhe trouxe alguns dissabores, respeitava às análises particulares que ele não fazia e não permitia que se fizessem no HSM, contrariamente à prática do IBCP em que na época era permitido e legal isso acontecer, com 10% dos proventos para o IBCP e 90% para os respectivos chefes de serviço.
No HSM Manuel Mendes Silva era por vezes chamado ao Serviço de Infecto-Contagiosas, dirigido por Morais David, discípulo de Pulido Valente. Aí trabalhava também Carvalho Araújo, que tinha colaborado com ele no laboratório do IBCP e no próprio HSM, e que seria o futuro Director do Serviço. Morais David tinha um microscópio e nas reuniões clínicas, nas conceituadas “sessões clínico-pedagógicas” “de terças-feiras”, Manuel Mendes Silva, quando requerido, opinava sobre a parte laboratorial. Aí o conheceram futuros médicos do Serviço, como David Paiva, Regina Worn, Rui Dias de Sousa, Valentim de Carvalho, e outros.
No final dos anos 60 Manuel Mendes Silva, apesar de não ser universitário, era unanimemente reconhecido como eminente bacteriologista, tendo formado ou ajudado a formar, no IBCP ou no HSM, os melhores bacteriologistas do país e sendo considerado também internacionalmente uma autoridade em salmonelas e shigelas, como mencionou um Director de Serviço do Hammersmith Hospital de Londres aos finalistas do Curso Médico de Lisboa de 1969 na sua viagem de curso, referindo-se espontaneamente a ele como a maior “sumidade mundial em salmonelas e shigelas”.
Do ponto de vista pessoal, Manuel Mendes Silva, “Minolo” (para mim tio Minolo), era tímido, austero, pouco falador, algo distante e intimidante, mas não antipático. Para muitos, apesar de discreto, era gentil, delicado e até encantador. Era generoso, recompensando benevolente e magnanimamente as minhas boas notas, monetariamente e com alguns bons conselhos. Era conservador, regrado, de hábitos e rotinas, de um extremo rigor e honestidade com ele próprio e com os outros, o que muitas vezes o tornava uma pessoa incómoda e às vezes até eventualmente algo injusta.[7] Era culto, gostava de ler em português, castelhano e francês, era apreciador de poesia. Era fã de Eça de Queiroz, Camilo, Raúl Brandão, Alexandre Herculano, Guerra Junqueiro, Gomes Leal, António Nobre, Antero, Pessoa e outros, e gostava muito de vários autores franceses, espanhóis e brasileiros.[8] Nos seus repousos ainda em casa materna descansava e lia no seu escritório, que possuía poltrona e divã, no inverno embrulhando-se na sua velha capa de estudante. Gostava muito da companhia das sobrinhas, primeiro a mais velha Maria Teresa, depois Maria Manuela, a preferida, e também Maria do Carmo, que passavam temporadas em casa da avó por causa dos estudos, já que os pais viviam fora. Com elas conversava e lia, em conjunto, poesia e prosa. Já casado, em casa própria, manteve os hábitos do repouso e leitura ao fim da tarde e à noite, no escritório, antes de se deitar. Não via televisão nem ouvia rádio, mas lia diariamente, logo pela manhã, o jornal, mantendo-se sempre actualizado. A “toillete” matinal era demorada e perfumava-se abundantemente com alfazema deixando um rasto que espalhava profusamente. O cabelo muito preto, com brilhantina, e o bigode, eram sempre impecavelmente tratados. Usava sempre sapatos de sola de borracha o que fazia os seus passos serem reconhecidos por um certo “chiar”… Fumava bastante e tomava “brometo” para acalmar e repousar. Era frugal nas refeições, comendo rapidamente, quase sem falar mesmo que acompanhado, não bebendo álcool nem comendo fruta ou saladas cruas, apreciando arroz e ovos. Em solteiro quase nunca jantava em casa. Era grande apreciador de chocolate, sobretudo suíço e belga, e de bolachas, que nunca lhe faltavam mesmo nos tempos difíceis da guerra e das suas sequelas. Para além da literatura, o seu tempo livre em casa era passado com os canários de que possuía uma boa colecção de quem tratava e com quem se entretinha. Possuía mais de vinte gaiolas com um total de várias dezenas de aves numa sala independente apropriada, vigiando a postura e o chocar dos ovos em gaiolas próprias. Assinava revistas de ornitologia e era sócio de pelo menos uma associação da especialidade.
Casou já tarde, com cerca de 50 anos, em 1960, com Maria das Dores de Castro Luazes (Mendes Silva) (1914-1994), médica, divorciada e com dois filhos, que tinha conhecido em Angola durante uma viagem de estudo, com quem viveu até morrer, em 1972, embora o casamento não tivesse sido feliz. Antes disso teve vários namoros, mais ou menos prolongados, mas nenhum resultou em casamento.
Apesar do seu feitio reservado, tinha bastantes amigos e frequentava o café-pastelaria “Paulistana” na zona do Saldanha/Fontes Pereira de Melo, onde um grupo se reunia à tarde, por altura do lanche, e às vezes à noite, onde falavam de assuntos da actualidade e trocavam ideias. Dentre esses amigos eram muito referenciados Fernando Nogueira, Professor de Patologia Geral, Norton Brandão, Professor de Dermatologia, Pedro Polónio, Professor de Psiquiatria, Matos Sousa, oftalmologista, e Vasconcelos Marques, neurocirurgião. Era também muito amigo e próximo do primo direito Miguel Mendes Alves, Professor de Terapêutica Geral. Todos os anos fazia uma viagem de carro, primeiro com amigos depois com a Mulher, habitualmente por Espanha (gostava muito de San Sebastian e de Barcelona) e França, nos seus “Citroen” (teve vários, “arrastadeiras” e “bocas de sapo”, só no fim mudou para BMW e Triumph). Também por vezes viajava pelo país e ia ao Porto, onde convivia com o grande amigo Júlio Machado Vaz, Professor de Bacteriologia da Faculdade de Medicina, e com sua Mulher, Maria Clara, uma conhecida cançonetista da época.
Nos dois ou três últimos anos de vida a sua saúde era precária. Tinha bronquite crónica e depressão e, sobretudo durante os invernos, eram frequentes as ausências ao serviço por doença. O tremor das mãos também lhe dificultava o trabalho prático. Contudo, mesmo retido no domicílio, mantinha a preocupação com os assuntos do serviço, como o demonstra o facto de, em 1972, na primeira epidemia de cólera, ter, mesmo doente, orientado as colaboradoras Maria José Salgado e Judite Esteves e lhes ter delineado, por escrito, instruções pormenorizadas para lidar com o assunto. Já no fim de vida, foi internado em clínica psiquiátrica em Belas, onde morreu, assistido pelos Profs. Pedro Polónio e Sousa Gomes e também pelo Prof. Fernando Nogueira, grande amigo. A sua morte ocorreu em 15 de Julho de 1972, contudo em circunstâncias não totalmente esclarecidas pela família. Recordo o seu velório com vários amigos emocionados entre os quais os Professores e colegas bacteriologistas Torres Pereira e Machado Vaz, os Professores Fernando Nogueira, Pedro Polónio e Norton Brandão e outros amigos e colaboradores anteriores ou da altura. Todos lhe reconheciam o mérito e lhe agradeciam as colaborações e ajudas.
O profundo pesar pela sua morte, bem como o apreço e gratidão pelo seu trabalho, foram testemunhados por escrito à família em Setembro de 1972 pelas Direcções do Instituto Bacteriológico Câmara Pestana e do Hospital de Santa Maria, através dos respectivos Directores, Profs. Cândido de Oliveira e Ayres de Sousa.
Este, numa breve síntese, foi o meu tio e padrinho, meu homónimo, que me habituei a respeitar e a admirar, embora algo “à distância”, e sobre o qual sempre recebi, de todos os que o conheceram, mesmo que nem sempre nas melhores relações devido a colisões de personalidades, os maiores elogios e encómios, com respeito, admiração, reconhecimento e louvor, com a devida gratidão quando era o caso. Está hoje esquecido e ficarei contente se estas breves notas o fizerem lembrar e ajudarem a conhecer o homem e o bacteriologista que ele foi, no seu espaço e no seu tempo, a quem muito se deve no estudo e investigação das salmonelas e no ensino da bacteriologia prática.
NOTA FINAL: Estas memórias foram elaboradas com base em recordações e testemunhos, para além de mim próprio, de familiares, amigos, colegas, colaboradores, discípulos, que de alguma forma conheceram ou contactaram com Manuel Mendes Silva ou dele tiveram conhecimento próximo através de familiares ou amigos. A todos agradeço, penhorado, a colaboração. Dos familiares realço Maria Manuela Costa Guimarães, Maria do Carmo Costa Guimarães, Francisca Dionísio, Isabel Silva Ribeiro, António Silva Martins. Dos colaboradores, colegas e amigos realço Maria José Salgado, Judite Esteves, Maria Albertina Proença e Rui Proença, João Carvalho de Sousa (pai), José Melo Cristino, Suzete Serras, Francisco Crespo (filho), Valentim de Carvalho, Francisco Antunes, Xavier de Brito, Barros Veloso; familiares de Fernando Nogueira (viúva, Maria Neves Paisana), Norton Brandão (filho, Francisco Meneses Brandão), Machado Vaz (filho, Júlio Machado Vaz), Cândido de Oliveira (filho, Rui Oliveira), Alberto Bettencourt (filho, José Manuel Bettencourt), Manuel Nazaré (filha, Lúcia Nazaré), Torres Pereira (filho, Artur Torres Pereira), Carvalho Araújo (filho, Fernando Carvalho Araújo), António Matos Sousa (amiga de família Wanda Bivar Branco, sobrinho neto Aníbal Costa).
Para além dos testemunhos, foi possível recolher algumas provas documentais, relativamente poucas por inexistentes ou desaparecidas. Fotografias, livro de curso, alguma documentação existente na família (agradeço às famílias de Manuel Mendes Silva e de Luís da Silva Ribeiro e também Silva Martins a sua cedência), documentação no Hospital Monsanto/Clínica Nossa Senhora da Serra (Elsa Lara), documentação no Museu Nacional de História Natural e da Ciência (José Pedro Sousa Dias), na Biblioteca do Hospital de S. José (Ana Quininha), na Biblioteca da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (Teresa Rodrigues Boa), na Biblioteca do Instituto Ricardo Jorge (Elvira Silvestre), na Biblioteca da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (José Alberto Pereira, Maria Júlia Borges) e sobretudo na Biblioteca do Hospital de Santa Maria (Susana Henriques, Lurdes Barata) e no seu Serviço de Pessoal (Ana Correia Lopes, Anabela Coelho) e na Biblioteca da Reitoria da Universidade de Lisboa (Helena Saramago, Amélia Preto Janeiro), para onde está a ser transferido o conteúdo da Biblioteca do Instituto Bacteriológico Câmara Pestana.
Este texto foi revisto por várias pessoas para atestar a veracidade dos testemunhos entre as quais destaco a última colaboradora de Manuel Mendes Silva, Maria José Salgado, João Carvalho de Sousa (pai), Francisco Crespo (filho), Valentim de Carvalho, João Xavier de Brito e as sobrinhas de Manuel Mendes Silva, Maria Manuela e Maria do Carmo.
Texto de Manuel Mendes Silva, Médico Urologista
[1] Dedico este trabalho ao meu neto Manuel Mendes Silva, de 6 anos, para que ele siga o exemplo de seriedade e competência profissional, qualquer que seja a carreira que escolha.
[2] O Instituto Bacteriológico Câmara Pestana (IBCP) foi inaugurado em 1892, anexo ao Hospital de S. José e em 1900, no antigo Convento de Santana e extinto, encerrado e desmantelado em 2001. Parte das suas instalações fazem hoje parte da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa e a “zona nobre” com o edifício principal espera-se que venha a constituir parte do património museológico dos “Hospitais da Colina de Santana”. Para a história do IBCP é obrigatória a consulta dos “Arquivos do Instituto Bacteriológico Câmara Pestana”, Tomos I-1907 a XXIV-2001, com vários artigos sobre a história do Instituto e dos seus directores, e, entre outros, o capítulo “O Instituto Bacteriológico: espaço, instrumentos, e memória da medicina laboratorial”, de José Pedro Sousa Dias, no livro “Património da Universidade de Lisboa, ciência e arte”, Edições “Tinta da China”, Lisboa, 2011 (Págs. 137-154), e o artigo “História e desenvolvimento da Bacteriologia em Portugal”, por A. Torres Pereira, in História e desenvolvimento da ciência em Portugal, Academia das Ciências de Lisboa, I Colóquio, 529-575, 1986.
[3] Como assistente dava aulas práticas que eram apreciadas pelos alunos, sendo por eles alcunhado de Gram positivo por ser moreno, em contraste com Reimão Pinto, loiro e claro, Gram negativo.
[4] Apesar de vários esforços e iniciativas, não consegui encontrar um curriculum vitae de Manuel Mendes Silva ou documentação do Instituto Câmara Pestana onde estaria explicitada a sua carreira profissional, apenas encontrando referências à sua carreira no Serviço de Pessoal do Hospital de Santa Maria que incluíam algumas informações referentes à carreira no IBCP.
[5] O destino desta colecção, posteriormente à morte de Manuel Mendes Silva, é desconhecido. Não foi para o Hospital de Santa Maria aquando do desmantelamento do IBCP, segundo o seu Director, como chegou a ser sugerido.
[6] A Biblioteca do Instituto Bacteriológico Câmara Pestana, após a sua extinção, encerramento e desmantelamento, passou para a responsabilidade da Reitoria da Universidade de Lisboa, actualmente estando em processo de transferência para o seu Centro de Documentação no Edifício Caleidoscópio no Campo Grande, estando a parte administrativa e clínica constante na Biblioteca em vias de transferência para o antigo Pavilhão de Portugal na Expo. O mobiliário da Biblioteca, incluindo as estantes, algum instrumental e arquivo fotográfico foram transferidos para o Museu Nacional de História Natural e da Ciência, da Universidade de Lisboa, na Rua da Escola Politécnica.
[7] Um exemplo disso foi o ter negado a revisão da tese de licenciatura do colega e primo Luís Silva Ribeiro, que apenas lhe tinha solicitado opinião sem qualquer compromisso e sem ser seu júri, com o argumento de que era seu familiar.
[8] Baudelaire, Verlaine, Guy de Monpassant, Zola (F), Cervantes, Poemas de Santa Teresa d´ Ávila (E), Coelho Neto, Catulo, Monteiro Lobato, Gilberto Freire (B).
Algumas Referências Bibliográficas respeitantes a “Manuel Mendes Silva, bacteriologia”
– Disenteria Bacilar. M. Mendes Silva, Fernando Fonseca, outros. Med. Cont., nº único, Ano 69, 1941.
– Sur l’infection des rats de Lisbonne par le Leptospira icterohaemorrhagiae / J. Fraga de Azevedo & M. Mendes Silva. – Anais do Instituto de Medicina Tropical. Lisboa. – Dez. 1943, pp. 79-96, Vol. 1 (1)
– Classification sérologique de quelque souches de bacilles de la dysenterie, isolées au cours d´une poussée epidemique. M. Mendes Silva. – Arquivos do Instituto Bacteriológico Câmara Pestana, tomo IX, Fascículo I, 1943, 19-42
– Bactériémie expérimentale par le Streptococus viridans. II – Fixation des bacteries par les tissues. F. Rodrigues Nogueira et M. Mendes Silva. – Arquivos do Instituto Bacteriológico Câmara Pestana, tomo IX, Fascículo I, 1943, 43-54
– Bactériémie expérimentale par le Streptococus viridans. III – Temps de fixation des bacteries par les tissues. F. Rodrigues Nogueira et M. Mendes Silva. – Arquivos do Instituto Bacteriológico Câmara Pestana, tomo IX, Fascículo II, 1945, 213-218
– Samonella bredeney et Salmonella paratiphy A isolés au Portugal. Étude biochimique et sérologique. M. Mendes Silva et A. Amorim Cunha. – Arquivos do Instituto Bacteriológico Câmara Pestana, tomo IX, Fascículo II, 1945, 183-194
– Contribuição para o estudo dos títulos de antiestreptolisina O nos soros sanguíneos portugueses / A. Torres Pereira, Manuel Mendes Silva, F. Carvalho Araújo. – Sep. Cadernos Científicos, v.4, cad.3, 1956, p. 241-254
– Identificação de certos tipos serológicos de Escherichia Coli causadores de diarreia infantil isolados em Portugal; Manuel Mendes Silva, A. Torres Pereira, F. Carvalho Araújo; Actas do XXIII Congresso Luso-Espanhol para o Progresso das Ciências, Coimbra, 1956
– Listeria monocytogenes: seu isolamento de casos humanos, em Portugal / Manuel Mendes Silva. Livro de homenagem ao Prof. Fernando Fonseca. Lisboa: Typ. Casa Portuguesa, 1965. – p. 981-982
Algumas outras publicações em que é referido em elogio ou agradecimento o nome de Manuel Mendes Silva, bacteriologia
– Dissertação de Doutoramento de Fernando Nogueira “Mecanismos tecidulares de defesa anti-bacteriana; contribuição experimental para o seu estudo”, Lisboa, 1952.
– Dissertação de Doutoramento de Francisco Norton Brandão, “A Erisipela. Estudo clínico, bacteriológico e imunobiológico”, Lisboa, 1961.
– Dissertação de Doutoramento de Artur Torres Pereira “Os estafilococos patogénicos e seus métodos de classificação”, Lisboa, 1961.
– Dissertação de Doutoramento de Fernando Carvalho Araújo “Contribuição para o estudo da toxoplasmose em Portugal”, Lisboa, 1964.
– Dissertação de Doutoramento de Fernando Leal da Costa “Caracterização do bacilo da difteria pela sensibilidade aos bacteriófagos”, Lisboa, 1972.
– Curriculum Vitae de Fernando Nogueira, Lisboa, 1954 e 1968.
– Curriculum Vitae de Artur Torres Pereira, Lisboa, 1964 e 1969.
– Curriculum Vitae de Francisco Norton Brandão, Lisboa, 1968 e 1972.
– Curriculum Vitae de Fernando Carvalho Araújo, Lisboa, 1973.
– Curriculum Vitae de Fernando Leal da Costa, Lisboa, 1978.
– Publicação “Mecanismos tecidulares de defesa anti-bacteriana; contribuição experimental para o seu estudo”, Fernando Nogueira, Arquivos do Instituto Bacteriológico Câmara Pestana, Tomo X, Fascículo II, 1952.
– Publicação “Malleomyces Malley”, J. Machado Vaz, Portugal Médico, XL, 8-9, Ago-Set. 1956.
– Publicação “Estado actual do problema das gastrenterites causadas por Escherichia Coli. Sua ocorrência em Portugal. A. Torres Pereira, Jornal do Médico, 34, 486, 1954.
– Publicação “Os estafilococos patogénicos e seus métodos de classificação”, A. Torres Pereira, Arquivos do Instituto Bacteriológico Câmara Pestana, Tomo X, Fascículo III, 1960.
– Publicação “A practical method for the laboratory perservationof Toxoplasma gondii strains”, F. Carvalho Araújo, Arquivos do Instituto Bacteriológico Câmara Pestana, Tomo XI, Nº 1, 1966.
– Publicação “Caracterização do bacilo da difteria pela sensibilidade aos bacteriófagos”, Fernando Leal da Costa, Arquivos do Instituto Bacteriológico Câmara Pestana, Tomo XI, Nº 3, 1972.
– Publicação “Hospital de Santa Maria: 50 anos de assistência, ensino e investigação, 1954-2004”; “Serviço de Patologia Clínica”, Maria José Salgado, 149-150, 2004.
Algumas missões, lições e comunicações em congressos de Manuel Mendes Silva
– Salmonellas. Lição feita no I Curso de Doenças Infecto-Contagiosas, organização Prof. Fernando Fonseca, 1946.
– Bacilos causadores da disenteria. Lição prática no I Curso de Doenças Infecto-Contagiosas, organização Prof. Fernando Fonseca, 1946.
– Epidemiologia e diagnóstico laboratorial das brucelloses. Lição feita no II Curso de Doenças Infecto-Contagiosas, organização Prof. Fernando Fonseca, 1947.
– Delegado do Instituto Bacteriológico Câmara Pestana ao IV Congresso Internacional de Microbiologia, Copenhague, 1947.
– Membro da Missão de médicos especialistas enviada às colónias de Angola e Moçambique (Ministério das Colónias), 1949.
– Colaborador em lições teóricas e práticas nos cursos de aperfeiçoamento para médicos e biologistas do Instituto Bacteriológico Câmara Pestana em 1951, 1953 e seguintes.
– Salmonelloses. Lição feita no Curso de Doenças Infecto-Contagiosas, organização Sociedade Médica dos Hospitais Civis de Lisboa, 1953.
– Professor de Microbiologia dos cursos de Ajudantes de Preparadoras do Instituto Bacteriológico Câmara Pestana.
– Professor de Microbiologia dos cursos de Preparadoras do Hospital de Santa Maria.
– Professor dos cursos de análises Clínicas do Hospital de Santa Maria.
– Membro de júris de concursos de carreiras profissionais na área da Bacteriologia/Análises Clínicas no Instituto Bacteriológico Câmara Pestana e no Hospital de Santa Maria.
– Comunicação: Contribuição para o estudo dos títulos de estreptolisina O nos soros sanguíneos portugueses; A. Torres Pereira, Manuel Mendes Silva, F. Carvalho Araújo; XXIII Congresso Luso-Espanhol para o Progresso das Ciências, Coimbra, 1956.
– Comunicação: Identificação de certos tipos serológicos de Escherichia Coli causadores de diarreia infantil isolados em Portugal; Manuel Mendes Silva, A. Torres Pereira, F. Carvalho Araújo; XXIII Congresso Luso-Espanhol para o Progresso das Ciências, Coimbra, 1956.
– Comunicação: Ocorrência em Portugal de estirpes de Bacterium Anitratum (B5W); A. Torres Pereira, M. Mendes Silva; XXIII Congresso Luso-Espanhol para o Progresso das Ciências, Coimbra, 1956.