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Teleconsulta: presente ou futuro?

Autora: Diana Viana, médica interna de Medicina Geral e Familiar, USF Pró-Saúde

 

Vivemos, desde 11 de março de 2020, tempos de pandemia que ficarão gravados na História. Esta nova realidade levou a que nos adaptássemos a novo quotidiano de vida, e alterássemos o funcionamento das atividades produtivas e de prestação de serviços.

Os Cuidados de Saúde Primários não constituíram exceção, tendo sofrido nova organização, alterando dinâmicas de funcionamento e recorrendo a formas alternativas de realização de consultas, tais como consultas por telecontacto/telemedicina (TM). O termo TM tem origem na palavra grega “tele”, que significa distância. Distância tem sido a palavra do dia, sendo desejável em fase de pandemia. A TM abrange toda a prática médica realizada à distância, independentemente da ferramenta utilizada, por exemplo e-mail ou telefone, incluindo na sua definição a teleconsulta. Atualmente, a consulta realizada pelo telefone tem assumido papel preponderante no contacto com o utente. Contudo, esta prática clínica transporta vários desafios que exigiram dos profissionais de saúde adaptação e superação.

Enquanto futura Médica de Família, as limitações vivenciadas são semelhantes às descritas em estudos realizados sobre este tema, nomeadamente: dificuldades de comunicação inerentes à comunicação por telefone, como nos casos em que o problema é difícil de explicar ou nos casos em que os utentes têm pouca rede em casa ou têm poucos recursos e/ou conhecimentos tecnológicos; impossibilidade de avaliar a comunicação não verbal exigindo que, por vezes, quer o médico quer o doente, tornem explícitas coisas que normalmente estariam implícitas num encontro presencial; e impossibilidade da realização do exame físico.1 Também não é de mais lembrar o quão importante é o comportamento não verbal, que tem, de um modo geral, um peso relativo superior ao comportamento verbal no volume de informação trocada entre dois indivíduos.2 Assim, o comportamento não verbal involuntário parece ser mais fidedigno do que o doente pensa e sente, ou seja, é mais autêntico. Estas premissas revelam a quantidade de informação perdida através deste meio de comunicação, aumentando a probabilidade de risco e de conclusões erradas, podendo tornar menos humana (e quase só técnica) a relação médico-doente. A comunicação não verbal é insubstituível. Ela permite criar empatia com o doente, o qual se sente compreendido pelo médico. O olhar olhos nos olhos e o toque que tantas vezes demonstram compreensão. Deste modo, o médico obtém a confiança do doente, componente central na construção da relação médico-doente e um dos princípios básicos em que se baseia a medicina. A consulta presencial é, por isso, indispensável para a construção desta relação e os estudos relativos à teleconsulta destacam a importância de haver uma relação prévia de confiança entre médico e utente. E se a teleconsulta poderá ter lugar no seguimento de utentes já conhecidos, ainda não há evidência que justifique a sua adoção para utentes novos.(1)

Se por um lado a teleconsulta apresenta desvantagens, previamente refletidas, também apresenta vantagens. Permite superar barreiras de distância, de maneira flexível e conveniente para os utentes, com a possibilidade de contribuir para a continuidade do cuidado e, particularmente, no cenário atual manter utentes de grupos de risco, protegidos em casa. Contudo, na minha opinião, esta nova forma de prática médica demonstrou e continua a demonstrar que não se consegue menorizar as limitações previamente referidas que contribuem para uma maior insegurança na prática clínica, desgaste e consequente cansaço do médico. Tudo isto só me fez valorizar ainda mais a consulta presencial e a relação médico-doente que nela se estabelece.

Termino esta reflexão com a seguinte questão: Será que a teleconsulta veio para ficar? Independentemente do que o futuro nos reserva nunca é demais recordar o Código Deontológico da Ordem dos Médicos, segundo o qual o médico que usa os meios da TM e não observa presencialmente o doente, deve avaliar cuidadosamente a informação recebida, só podendo dar opiniões, recomendações ou tomar decisões médicas, se a qualidade da informação recebida for suficiente e relevante.

 

Bibliografia:

  1. Catapan S de C, Calvo MCM. Teleconsultation: an Integrative Review of the Doctor-Patient Interaction Mediated by Technology. Rev Bras Educ Med 2020; 44: 1–12.
  2. Cardoso R. Competências Clínicas de Comunicação. Porto: Unidade de Psicologia Médica. Departamento de Neurociências Clínicas e Saúde Mental da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, 2012.