Autor: H. Carmona da Mota
- Sofrer de fartura
Claramente percebia eu que o meu Jacinto atravessava uma densa névoa de tédio, (…) Pobre Príncipe da Grã-Ventura, tombado para o sofá de inércia (…) E esse fastio não o escondeu mais do seu velho Zé Fernandes (…):–Para quê?
– Não vale a pena!
– Que maçada!…
Uma noite no meu quarto, descalçando as botas, consultei o Grilo:
– Jacinto anda tão murcho, tão corcunda… Que será, Grilo?
O venerando preto declarou com uma certeza imensa:
– S. Ex.ª sofre de fartura.
Era fartura! O meu Príncipe sentia abafadamente a fartura de Paris; e na Cidade, na simbólica Cidade, fora de cuja vida culta e forte (como ele outrora gritava, iluminado) o homem do século XIX nunca poderia saborear plenamente a “delícia de viver”, ele não encontrava agora forma de vida, espiritual ou social, que o interessasse, lhe valesse o esforço de uma corrida curta numa tipóia fácil. Pobre Jacinto!Eça de Queirós. A Cidade e as Serras 1901
*As doenças cardio-vasculares são uma das maiores causas de morte dos adultos, tanto nos países do primeiro como nas classes emergentes do terceiro mundo que adoptaram o modo de vida dos primeiros. Está associado à obesidade e às inerentes taxas elevadas de colesterol.
Todos estes factores são muito mais frequentes nos adultos que tiveram o azar de nascer com baixo peso por gestações conturbadas.
Nestes críticos períodos de carência tendem a sobreviver aqueles onde emergiram mecanismos metabólicos que permitiram resistir àquele meio hostil.
Estes mecanismos compensatórios não se extinguem facilmente e, de protectores tornam-se ameaçadores se as circunstâncias se alterarem. Como se essas crianças tivessem ficado “programadas” (Barker) ou tivessem sido seleccionadas (Wallace-Darwin) para sobreviver em ambientes de carestia; num ambiente de abundância tornam-se factores de risco – de obesidade ou de doenças cardiovasculares.
É por isso que ficarão em maior risco os recém-nascidos de baixo peso que recuperarem demasiado rapidamente nos primeiros meses.
A história natural desta catástrofe nutricional não termina aqui, as futuras mães obesas irão gerar fetos com excesso de peso que ficarão também programados para a obesidade. Um ciclo vicioso de fome, fartura e doença e morte precoces.
A fome é uma constante da história da humanidade. A agricultura tem apenas dez mil anos; a abundância é recente, para que não estamos preparados.
Em especial para aqueles fetos que retratam os de há cem mil anos; pior para os que como que querem compensar, nos primeiros meses pós natais, a carência de semanas fetais.
Estes são os factos que há que não esquecer para que, como na história, não repetirmos erros fatais. Os únicos instrumentos são a prevenção da carência e da fartura e a tentação de corrigir depressa os resultados de ambiente hostis anteriores - O SNS sofre de edema
“Claramente se percebia que o SNS atravessava uma densa névoa de tédio, (…) Pobre serviço público, o melhor do país, tombado para o sofá de inércia (…)
Uma noite no meu quarto, descalçando as botas, consultei o Grilo:
–O SNS anda tão murcho, tão corcunda… Que será, Grilo?
O venerando preto declarou com uma certeza imensa:
– S. Ex.ª sofre de edema.
Era edema! O SNS sentia abafadamente a falta de albumina!
Eça de Queirós. A Cidade e as Serras 1901
No SNS a albumina são os médicos, as enfermeiras e outros peritos específicos, indispensáveis ao seu funcionamento.
Quando faltam – por emigração (nefrótica) ou simples migração por permeabilidade capilar – as fortes leis de Starling (e do mercado – a atracção do privado) sobrepõem-se às das da equidade – o soro extravasa e forma o edema.
Este é um sintoma incómodo de um problema grave que importa resolver; mais ou maiores fígados ou mesmo perfusões de albumina estranha são paliativos de efeito transitório.
Para isso há que remover as causas para que aquelas proteínas (Do grego Protos, Pröteios, primeiro, de primeira classe, e do latim Īna, substância fundamental*.) regressem ou se mantenham onde fazem falta a quem mais precisa. Para que “S. Excia brote”, como diria Grilo.
* https://dicimedico.com/proteina/